“Os expedientes usados para chegar a esse resultado não podem ser mais expeditos nem mais eficazes. Foram apresentados ao controle da alfândega os livros acima e foi dito ao comissário que não podiam ser expedidos sem permissão do senhor bispo. O senhor bispo estava ausente. À sua volta, apresentaram-lhe um exemplar de cada obra, e depois de tê-los lido ou mandado ler por pessoas de sua confiança, conformando-se com o julgamento de sua consciência, ordenou fossem lançados ao fogo, pois eram imorais e contrários à fé católica. Reclamaram contra tal sentença e pediram ao governo, já que não permitiam a circulação de tais livros na Espanha, que pelo menos fosse permitido ao seu proprietário devolvê-los ao lugar de procedência, mas até isto foi recusado, sob a alegação de que, sendo contrários à moral e à fé católica, o governo não podia consentir que esses livros fossem perverter a moral e a religião de outros países. Apesar disto, o proprietário foi obrigado a pagar os direitos, que, parece, não deveriam ser exigidos. Uma grande multidão assistiu ao auto de fé, o que nada tem de admirável, se se levar em conta a hora e o lugar da execução e sobretudo a novidade do espetáculo. O efeito produzido sobre os assistentes foi de estupefação entre alguns, de riso em outros e de indignação no maior número, à medida que se davam conta do que se passava. Palavras de ódio saíram de várias bocas, depois vieram as piadas, os ditos galhofeiros e mordentes dos que viam com extremo prazer a cegueira de certos homens. Nisto têm razão, porque entreveem nessa reação, digna do tempo da Inquisição, o mais rápido triunfo de suas ideias. Eles zombavam, para que essa cerimônia não aumentasse o prestígio da autoridade que, com tanta complacência, se presta a exigências verdadeiramente ridículas. Quando esfriaram as cinzas dessa nova fogueira, observou-se que pessoas que estavam presentes, ou que passavam por perto e tinham sabido do fato, dirigiram-se para o local do auto de fé e recolheram como lembrança uma parte das cinzas.