Já se nota que a SNI foi um instrumento extremamente importante na construção de um aparato repressivo àqueles que eram contrários ao regime ditatorial militar. A força para ser uma oposição forte a esse poder de opressão não era facilmente encontrada. Ao mesmo tempo, essa ação estava associada, diretamente, ao sonho de amplas mudanças que ocorria no mundo dos anos 1960. Estabelecia-se, no dizer de Eric Hobsbawm, uma verdadeira revolução cultural. Foi então que surgiu o importante cartaz “é proibido proibir”. “Liberação pessoal e liberação social, assim, davam-se as mãos, sendo sexo e drogas as maneiras mais óbvias de despedaçar as cadeias do Estado, dos pais e do poder dos vizinhos, da lei e da convenção” (HOBSBAWM, 1995, p. 326).Os anos que pegaram os governos do Juscelino e do Jango, com o curto entreato do Jânio Quadros, foram, seguramente, os de mais fecunda criação artística e cultural no Brasil – uma avalanche de talentos que se estendeu e repercutiu até os primeiros tempos da ditadura. Esses artistas e estudiosos eram, em sua grande maioria, comunistas, socialistas ou homens de esquerda. Ser de esquerda, aqui, significa preocupar-se com as condições de vida do povão e com a subordinação econômica do país. A revolução cubana e o bravo exemplo de resistência do povo vietnamita contra as potências invasoras serviram de fonte inesgotável de inspiração à juventude daquela época e mesmo aos mais velhos. Essa geração 68, urdida no clima de liberdade intelectual do pós-guerra, submetida a uma criativa renovação cultural e com expectativas de progresso social inspiradas nas realidades cubanas e vietnamita sofreu todo o tipo de perseguição, sequestro, prisão, tortura, morte e desaparecimento. O elemento a unir a luta por mudanças foi o movimento Calabouço, no dia 28 de março de 1968. Não demorou para que os estudantes associados à Igreja e a representantes da classe média do Rio de Janeiro conseguissem articular uma grande demonstração de força contra o regime militar e sua truculência: foi a passeata dos 100 mil, em 25 de junho de 1968. Greves, que não surgiam desde 1964, apareceram. Houve uma greve em Contagem, a greve de Osasco, em 16 de julho Assim como em Minas Gerais, a paralisação paulista rapidamente angariou milhares: após o primeiro dia havia mais de 10 mil operários parados. O sonho era “desencadear uma onda de reação do movimento operário e sindical em todo o país contra o modelo econômico da ditadura”No entanto, o governo agiu diferente: já no outro dia, soldados bem equipados invadiram a siderúrgica, mais de 400 operários estavam presos e a cidade de Osasco, completamente ocupada pela Polícia Militar. O movimento operário submergiu em todo o país”
A última tentativa de ação de impacto dos estudantes foi em 13 de outubro de 1968. Foi o XXX Congresso dos estudantes, localizado em Ibiúna. Acredita-se que cerca de mil jovens iriam se encontrar lá. Associada a esse amplo movimento estudantil e também apoiada pelos operários, havia a luta de guerrilha da esquerda. Na música, surgiram importantes e famosos movimentos. Um deles foi o programa Jovem Guarda. Seu mais proeminente ícone foi Roberto Carlos. A Tropicália, por sua vez, estava ligada, diretamente, a uma sociedade de massa e na contracultura do movimento hippie estadunidense. Foi então formado um grande ícone do que se convencionou chamar de Música Popular Brasileira (MPB): Chico Buarque. Geraldo Vandré, então, tornou-se o mais célebre em 1968, com a canção “Pra Não Dizer que Não Falei das Flores”. Ela era um claro desafio de ataque ao militarismo e engajava as manifestações para enfrentar os militares. O estopim para a reação dos militares foi o discurso de Marcio Moreira Alves, deputado do MDB, pela sua oposição à invasão da UnB e contra o militarismo que estaria associado ao desfile tradicional de 7 de setembro. Em pouco tempo os ministros militares passaram a exigir um processo criminal contra o deputado, porém, a Constituição de 1967 garantia imunidade aos parlamentares. No dia seguinte, no entanto, para surpresa dos militares, por 216 votos a 141, foi negada a suspensão da imunidade de Márcio Moreira Alves. E, logo a seguir, foi lançado em 13 de dezembro de 1968 o AI-5
Sem prazo legal, vigorou até 1979. Como visto, o presidente poderia fechar o Congresso, intervir nos estados e municípios, inclusive nomeando seus interventores. Era possível ao presidente, mais uma vez, cassar e suspender direitos políticos, além de decidir por aposentar ou demitir qualquer funcionário público. Com a garantia do fim do habeas corpus, era possível manter na prisão quem fosse necessário e pelo tempo que o governo julgasse necessário. Assim, a tortura só aumentava. Além disso, havia a suspensão da garantia de liberdade de expressão
A repressão passou a ganhar uma proporção muito maior. O SNI era o mecanismo central. O Centro de Informações do Exterior (Ciex) foi criado ainda em 1966 para atuar nas embaixadas dos países em que os exilados foram sendo enviados. Na estrutura estadual, aproveitou-se dos Departamentos de Ordem Política e Social (Dops). Em 1967, foi criado o Centro de Informações do Exército (CIE), que coletava informações e também poderia agir diretamente. Nesse sentido, devemos compreender que a ação dos militares resultou, em um primeiro momento, na multiplicação das forças armadas contra o regime, em 1969. Aliança de Libertação Nacional (ALN), liderada por Carlos Marighella, Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8) e Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) Carlos Lamarca. Porém, ao mesmo tempo, torna-se muito complicado argumentar que a resistência armada da esquerda foi um movimento pela democracia. A esquerda nunca propôs o retorno à democracia, nem como era antes de 1964, nem como seria depois da ditadura.
Como assinala Jorge Ferreira (2004), na linha de Argelina Figueiredo, a democracia não estava na agenda nem da direita nem da esquerda. De qualquer maneira, o tempo da presidência de Costa e Silva acabou abreviado. Em agosto de 1969, sofreu um derrame.
Os militares declararam que Aleixo não tinha apoio de muitos militares e que, portanto, o país poderia ir ao caos com sua posse. E já com o AI-12, os ministros das três forças armadas decidiram assumir o comando do país. Era a Junta Militar. Era, assim, por lei estabelecido o banimento do país e a pena de morte para os elementos que o regime considerasse subversivos à ordem e hierarquia estabelecida por eles. O estopim desse novo recrudescimento da ditadura militar talvez possa ter sido a maior ação da esquerda contra o governo dos militares: o sequestro do embaixador Elbrick . Pelo AI-16, de 14 de outubro de 1969, foi declarada vaga a presidência da República, inclusive, justificando-se que, caso o presidente viesse a se recuperar, não deveria retornar a situações de stress. Médici era candidato único. A Arena deu 296 votos. O MDB se absteve. Todo o processo durou apenas 80 minutos.