CONSTITUCIONALISMO
Definido como reivindicação de Constituição escrita, evolução histórico-constitucional do Estado ou mesmo função e posição da Constituição em sociedades diferentes.
É delineado como proposta teórica, ideológica ou metodológica de limitação dos poderes do governo nas mãos dos governados, de modo a resguardá-los do arbítrio.
Sua história é investigada tanto pela Ciência do Direito, sob a perspectiva comparada, quanto pelo Direito Positivo, sob a perspectiva brasileira
O paradigma constitucionalista é formado por 8 constitucionalismos, entremeados pela organização política das nações europeias e, depois, pela revolução anglo-franco-americana em 1688, 1776 e 1789.
- Constitucionalismo Antigo: com a recondução do poder político ao poder religioso, motivo pelo qual os monarcas seriam revestidos de natureza divina ou estariam submetidos à vontade de Deus;
- Constitucionalismo Grego: exprimiu-se pela onipotência, com a subordinação do indivíduo ao Estado, de maneira que a liberdade dos antigos compreendia a participação na vida política (liberdade política), ao passo que a liberdade dos modernos consiste na esfera de ação pessoal, imune à atuação estatal (liberdade civil);
- Constitucionalismo Romano: exteriorizado pela centralização, com o reconhecimento do poder político, uno e indivisível, cuja plenitude poderia ou deveria ser atribuída a um detentor (príncipe), sem embargo da repartição entre o Direito Público (direito de voto e acesso aos cargos públicos) e o Direito Privado (direito de casamento legítimo e de celebração de atos jurídicos).
- Constitucionalismo Medieval: externado pelo dualismo, com o concerto entre o povo e o monarca, sem prejuízo do confronto entre a Igreja e o Estado, diante da constatação de que o Príncipe (centro pessoal), e não a Cidade (centro real), ocupava o ponto de convergência da vida política.
- Constitucionalismo Moderno: a organização política girava em torno da nação, concebida como homogeneidade do grupo social, demonstrada pela existência de consciência coletiva, solidariedade psíquica e identidade de interesses entre os seus membros, e supremacia, porque o poder político era qualificado pela soberania, conceituada como capacidade de autodeterminação estatal, denotada pela hegemonia na ordem nacional e independência na ordem internacional, fracionado em constitucionalismo estamental e constitucionalismo absoluto.
- Constitucionalismo liberal: fundado na técnica de limitação do poder político, não somente no âmbito interno, pelo instrumento da divisão do exercício do poder político, mas também no âmbito externo, por intermédio da redução das funções do Estado perante a sociedade, com a finalidade de proteger o espaço de ação pessoal, fragmentado em constitucionalismo de direito e constitucionalismo de legalidade.
Constitucionalismo estamental: indicado pelo equilíbrio entre o Estado e a sociedade, à luz da contraposição entre o poder real e o poder estamental, próprio das camadas ou classes sociais que procuravam a conservação dos privilégios adquiridos no tempo medieval, representadas pelas assembleias dos estamentos (cortes, parlamentos, dietas e estados gerais).
Constitucionalismo Absoluto: é individualizado pela unidade do Estado e sociedade, a teor da convergência do poder político no rei absoluto, subdividido em constitucionalismo patrimonial (fundamento divino), e constitucionalismo de polícia (fundamento racional).
Constitucionalismo de direito: influenciado pelo individualismo, na medida em que o poder político é submetido a leis naturais que decorrem da liberdade individual, com a possibilidade de existência de direitos fundamentais, ainda que não prescritos explicitamente no ordenamento jurídico.
Constitucionalismo de legalidade: informado pelo estatismo, uma vez que o poder político é sujeito a leis positivas que defluem da representação popular, limitado às funções tradicionais de proteção e repressão, sem que houvesse a adoção de qualquer política de desenvolvimento social, de sorte que não são reconhecidos como fundamentais os direitos que não houverem sido acolhidos no ordenamento normativo.
- Constitucionalismo social: fundamentado no intervencionismo estatal, destinado à proteção, preservação e promoção do mercado, também à satisfação das reivindicações sociais, econômicas e culturais da sociedade de massa, e na organização da comunidade internacional e proteção universal dos direitos humanos, especialmente após o desaparecimento dos regimes nazifascistas e a emancipação política das colônias afro-asiáticas, fraturado em constitucionalismo de bem-estar social, constitucionalismo socialista e constitucionalismo totalitário.
Constitucionalismo de bem-estar social: inspirado na intervenção estadual, ativa e prolongada, nas áreas econômica e social, que a atuação estatal era submetida a programas governamentais de desenvolvimento e efetivação de direitos prestacionais, com o propósito de viabilizar a igualdade efetiva perante os bens da vida.
Constitucionalismo socialista: instruído pelo dirigismo, eis que o comportamento dos sujeitos econômicos era subsumido à planificação compulsória, com o projeto de apropriação dos meios de produção e gestão da economia pelo proletariado.
Constitucionalismo totalitário: instaurado como reação contra as ideologias individualista e socialista, reconhecido pela sujeição total da pessoa humana, em prol da grandeza do Estado, cujo ordenamento jurídico não era lastreado em determinados valores, mormente os direitos fundamentais
- Constitucionalismo Contemporâneo: identificado pela flexibilização ou mitigação dos conceitos de soberania e nação.
Conceituação da soberania não satisfaz aos imperativos de segurança, já que, na ordem interna, o Estado perde a capacidade de regular todas as condutas desenvolvidas no âmbito do seu território, na ordem internacional, a superioridade bélica de alguns organismos políticos possibilita intervenções militares sobre os outros, que não dispõem de força para dissuadir pretensões externas.
Concepção da nação não é suficiente para uma ordenação econômica constituída em vista da sociedade de massa, pois que a globalização proporciona o alargamento das relações econômicas, que alcançam todas as comunidades nacionais, com a abertura e integração de mercados, concentração empresarial e nova divisão transnacional do trabalho.
História brasileira é marcada por rupturas constitucionais, tendendo a um movimento pendular entre a democracia e a ditadura cívico-militar.
Constituição de 1824 esclareceu que as matérias que não dissessem respeito aos limites e atribuições dos Poderes do Estado e direitos civis e políticos seriam alteráveis pelas legislaturas ordinárias, ao tempo que opôs a limitação à reforma constitucional de 4 anos, depois de jurada pela Majestade Imperial.
Constituição de 1891: definiu a Constituição a república, que havia sido proclamada pelo Decreto do Governo Provisório
Constituição de 1934: emergiu do constitucionalismo social-democrata, que, mediante a intervenção do Estado na ordem econômica, objetivava a proteção social do trabalhador e dos interesses econômicos do País.
As competências administrativas, legislativas e tributárias foram repartidas em planos horizontal e vertical, o que explica o trespasse do federalismo dualista, no qual o poder político era compartimentado (dual federalism), para o federalismo cooperativo, no qual o poder político é compartilhado entre a União e os Estados (kooperativen Föderalismus). O voto das mulheres investidas de funções públicas remuneradas foi erigido à condição de obrigatório.
Constituição de 1937: constituição do Estado Novo foi responsável pela implantação do regime político de inspiração fascista da ditadura polonesa de Józef Pilsudski que aliava a centralização do poder político à supressão de direitos fundamentais.
Constituição de 1946: exsurgiu do constitucionalismo liberal-social, que, pela conciliação entre a liberdade de iniciativa e a valorização do trabalho humano, era direcionado à obtenção da justiça social.
Aos direitos fundamentais, garantias e remédios constitucionais foram introduzidas, ou mesmo reinseridas, a greve, inafastabilidade de prestação da jurisdição, participação de trabalhadores nos lucros ou resultados das empresas e ação de cidadãos para invalidação dos atos de lesão ao patrimônio do Estado.
Constituição de 1967: desenvolveu a Constituição engendrada pela ditadura cívico-militar que havia sido orquestrada pelo Ato Institucional nº 1 a centralização antifederativa brasileira e, por dedução, o federalismo hegemônico da União.
Elaborou o governo um aparato oficial de repressão aos direitos fundamentais, que, por indução, não ofereceram à sociedade civil proteção contra o arbítrio do Estado até a abertura política e a redemocratização do Brasil.
Constituição de 1988: estabeleceu que o ordenamento normativo deve ser perpassado pelo valor fundamental da dignidade da pessoa humana, que impede o retrocesso social, à medida que impõe a promoção do mínimo existencial, observada a reserva do possível do Estado.
Os direitos fundamentais devem ser promovidos por meio das políticas públicas que, ao fim da história constitucional luso--brasileira, são incorporadas pelo constitucionalismo contemporâneo.
A limitação do poder político é instrumentalizada por 4 mecanismos
O “constitucionalismo luso-brasileiro”, perdurou de 1808, quando da translação da Corte portuguesa ao Brasil, a 1824, quando da outorga da Carta do Império, que, após, foi transladada para Portugal com modificações do próprio Imperador brasileiro, ao abdicar o trono em favor de sua filha, remonta à Súplica de Constituição a Napoleão Bonaparte, de 23 de maio de 1808, em Portugal, e à Revolução Pernambucana, de 6 de março de 1817, no Brasil.
Direitos fundamentais: especialmente os direitos individuais, procedem à limitação do poder político na medida em que estatuem, relativamente ao Estado e aos particulares, um dever de abstenção, de forma a assegurar a existência de uma esfera de ação própria, inibidora de interferências indevidas.
Controle de constitucionalidade: produz a limitação do poder político na medida em que enseja a ineficácia das normas infraconstitucionais, veiculadas por leis ou atos normativos, engendradas em desconformidade vertical, sob o(s) aspecto(s) formal e/ou material, com as regras ou princípios constitucionais que lhe servem de fundamento de validade.
Federalismo estatal: propicia a limitação do poder político na medida em que a repartição constitucional de competências restringe o espaço de atuação dos governos nacional e regionais, qualificados como coordenados e independentes, baseado na posição coordenada e independente dos diferentes centros de governo.
Freios e contrapesos: “os freios e contrapesos consistem na garantia de manutenção do equilíbrio constitucional entre os Poderes do Estado, sendo certo que, em face de determinada ação ou omissão do Executivo, Legislativo ou Judiciário, o contraste constitucional que um outro pode exercer para contê-lo (freio) ou para restabelecer o equilíbrio (contrapeso) constitui um freio ou contrapeso ao dito Poder”.
As novas perspectivas do Direito Constitucional são delineadas por teorias, ideologias ou métodos de investigação dos sistemas jurídicos contemporâneos:
Garantismo: “é a outra face do constitucionalismo, dirigida a estabelecer as técnicas de garantias idôneas e a assegurar o máximo grau de efetividade aos direitos reconhecidos pela democracia constitucional, que pode e deve ser estendida em três direções: em 1º lugar, para a garantia de todos os direitos fundamentais; 2º lugar, frente a todos os poderes e, 3º lugar, em todos os níveis, não somente no Direito interno, mas também no Direito internacional”.
Transconstitucionalismo: identificado pelo aproveitamento ou uso do conhecimento estrangeiro já desenvolvido em torno de princípios compartilhados, por um “empreendimento interpretativo comum”, em ordem a resolver controvérsias de matiz constitucional que excedem aos limites dos territórios nacionais e, simultaneamente, são debatidas por tribunais constitucionais, supranacionais e internacionais.
Neoconstitucionalismo: definido como movimento de superação da antinomia entre o naturalismo e o positivismo jurídicos, está baseado em dois pilares de sustentação.
Um, que reside no campo de interface entre a Filosofia do Direito e a Filosofia da Política, é orientado ao estabelecimento de uma nova grade de inteligibilidade à compreensão das relações entre o direito, a moral e a política, harmonizando-os pelo fio condutor da questão da ordem jurídica legítima.
Outro, que resiste no campo da Teoria do Direito, é unido pela análise da importância da principiologia constitucional, racionalidade do processo argumentativo no discurso filosófico e hermenêutica jurídica na compreensão do funcionamento do direito nas sociedades democráticas.