Essa recuperação do argumento da clareza em sede argumentativa merece ser realçada. Observe-se nessa linha que a argumentação jurí- dica está a pôr-se diante de duas possíveis opções interpretativas.
Primeira: existe uma situação de isomorfia, em que o texto (locu- ção) harmoniza-se com o caso, sem necessidade de busca da ilocução. Por exemplo, o art. 226 da CF: “Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado”. No § 1o, fala-se do casamento (“Art. 226. [...] § 1o O casamento é civil e gratuita a sua celebração”). Alude-
-se, claramente, à família constituída mediante casamento. Temos aí a possibilidade de uma interpretação transparente.
Segunda: uma situação em que o texto exige a busca da ilocução. Por exemplo, para atender a uma necessidade social, o § 3o do mesmo art. 226 contém uma estipulação:
“Art. 226. [...] § 3o Para efeito de prote- ção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casa- mento”. Essa exigência de a lei facilitar sua conversão em casamento mos- tra que o núcleo do conceito de família é definido pelo casamento, que a união estável, para a lei, não é casamento, mas que, para efeito de pro- teção da família, é considerada como se casamento fosse. Daí a possibi- lidade da interpretação extensiva para as uniões homoafetivas. Não se preenche nenhuma lacuna, mas busca-se o sentido indireto (ilocutivo) da própria norma.
Nesses termos, entende-se que a clareza não é um dado absoluto (ou é claro ou é obscuro), mas dependente da existência de dúvidas ra- zoáveis quanto ao significado.