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Psicopato II - Leonor - A Neurose Obsessiva - Coggle Diagram
Psicopato II - Leonor - A Neurose Obsessiva
Introdução
O termo Neurose Obsessiva foi varrido dos manuais classificatórios (CID e DSM) e substituído poro TOC - Transtorno Obsessivo Compulsivo
o que se oculta por trás de uma aparente mera mudança de sigla é toda uma política do discurso capitalista de anular o sujeito do desejo e substituí-lo pela figura do consumidor passivo.
A neurose obsessiva é um distúrbio que produz sofrimento psíquico e que aponta para os impasses do sujeito com o seu desejo inconsciente.
Já o TOC é uma doença cerebral, com a qual o sujeito não tem nada a ver e que deve ser tratada com remédios.
Segundo Freud, o sujeito humano vem ao mundo num estado de total desamparo, e depende do adulto que dele se ocupa até mesmo para sobreviver.
Deficiente de instintos, o bebê humano só conta com a ajuda mais ou menos eficiente da mãe, ela igualmente deficiente de qualquer instinto maternal que a oriente na satisfação das necessidades do filho.
É nesse contexto que as necessidades do sujeito se transformam em demanda, demanda de que o outro o ame, única garantia de sobrevivência.
O que escapa entre a necessidade e a demanda é o desejo que anima o sujeito do inconsciente.
Esse desejo provém da falha, da impossibilidade de que o outro o entenda totalmente ou mesmo que atenda total mente sua demanda de amor inesgotável e, portanto, im possível de ser atendida.
Resta ainda, no entanto, aos sujeitos, seu desejo que lhes permite inventar, criar, ir adiante, mudar aos outros e a si mesmo. É desse desejo que a psicanálise fala e trata. Essa é sua política: a política do desejo.
Psicanálise e Ciência
Ao descobrir o inconsciente e inventar a psicanálise, Freud criou, no mesmo movimento, um novo campo do saber e uma nova modalidade de laço social, de relacionamento.
a afirmação da independência da psicanálise em relação à ciência se deve, já na segunda metade do século XX, ao psicanalista francês Jacques Lacan.
A ciência moderna é fruto do Iluminismo, movimento filosófico do século XVII que inspirou no século XVIII a Revolução Francesa e ao qual devemos o advento do conceito moderno de democracia.
Devemos ao filósofo francês René Descartes o corte epistemológico que permitiu o advento da ciência tal como a pensamos hoje.
Como todos os filósofos, Descartes buscava a certeza, era movido pelo desejo de aprender a distinguir o verdadeiro do falso. Os textos de Descartes foram escritos na primeira pessoa do singular e neles o autor revela, com franqueza, o que o move em sua pesquisa filosófica: é o desejo de saber.
A Deus pertencem as verdades eternas, mas cabe ao homem percorrer os caminhos que o levem às suas verdades. Nasce assim a ciência moderna, livre das amarras das normas religiosas.
Um Novo Campo de Saber
Ao longo de seu ensino que durou quase três décadas (1953- 1981), Jacques Lacan retomou várias vezes, e por vários prismas, a subversão cartesiana empreendida por Freud.
Resumida e superficialmente, podemos dizer que a descoberta do inconsciente aponta para o fato de que o homem é ali onde não pensa e pensa onde não é.
Tal como Descartes em suas Meditações, o sujeito do inconsciente é movido pelo desejo.
Esse desejo, Freud descobre bem cedo em sua obra, é o desejo proibido, incestuoso, correspondente ao complexo nuclear da neurose: o Édipo.
Além disso, o sujeito da psicanálise é dividido pelo recalque, que funda o inconsciente e torna esse desejo desconhecido para o sujeito que é animado por ele.
Assim, o inconsciente se configura como um saber não sabido pelo sujeito, saber cujo funcionamento obedece a suas próprias leis que não coincidem com as leis da lógica consciente.
Segundo Freud, o inconsciente opera por condensação e deslocamento.
Na histeria, por exemplo, o sujeito pode condensar numa parte do corpo todo o investimento libidinal.
O sujeito da psicanálise é, portanto, simultaneamente, o mesmo sujeito da ciência — sujeito do desejo — e um sujeito desconhecido que se manifesta na falha, no tropeço, no ato falho, no sonho, no sintoma.
Um Novo Laço Social
A subversão freudiana atinge não só o conceito de sujeito como também o de objeto.
Freud define a neurose como uma aberração patológica de um estado afetivo normal.
Distingue assim o estado afetivo normal (o que hoje, com Lacan, chamamos de estrutura), da neurose desencadeada, que produz sintomas e sofrimento e leva o sujeito a buscar ajuda.
Na neurose, o sujeito retira o investimento da libido no objeto da realidade e o investe no objeto da fantasia.
Durante o tratamento analítico, o psicanalista vai ocupar então o lugar desse objeto, inaugurando um novo laço social, no qual o objeto é ativo, causa o desejo, ao contrário do objeto da ciência, sempre passivo diante do desejo do experimentador.
Freud descobriu a transferência através do tratamento de suas primeiras pacientes histéricas, já em 1895. Trata-se de um fenômeno natural, o enamoramento do sujeito por alguém a quem ele supõe um saber, como Descartes o fazia em relação a Deus.
Uma Nova Neurose
Antes de Freud, o quadro que conhecemos hoje como neurose obsessiva — um tipo clínico da estrutura neurótica, que compõe, juntamente com a histeria, as neuroses de transferência — era considerado uma manifestação da mania e pertencia ao quadro das psicoses.
Em sua correspondência privada, Freud já falava de Zwangneurosen (neurose obses siva) desde 1894, ao passo que só utiliza essa denominação em um artigo dois anos depois, quando os conceitos já estavam bem definidos.
Um Distúrbio Intelectual
Em 1895, no Rascunho H, Freud chamou a atenção para o fato de que na psiquiatria as idéias delirantes (da paranóia) situavam-se ao lado das idéias obsessivas como distúrbios puramente intelectuais.
De fato, ao contrário da histeria, em que o sintoma se manifesta primordialmente no corpo, na neurose obsessiva o sujeito sofre dos pensamentos.
Um ano depois, Freud assim descreveu a formação do sintoma na neurose obsessiva:
as idéias obsessivas seriam produtos de um compromisso.
O encontro do sujeito com o sexo é sempre traumático, e na neurose obsessiva é acompanhado por um excesso de gozo que acarreta culpa e auto-recriminação.
O recalque incide sobre a representação do trauma e o afeto é deslocado para uma idéia substitutiva
Desse modo o sujeito obsessivo é atormentado pela auto recriminação sobre fatos aparentemente fúteis e irrelevantes.
Freud diz que, na verdade, a idéia obsessiva é correta no que tange ao afeto e à categoria, mas é falsa em decorrência do deslocamento e da substituição por analogia. Ou seja: a idéia obsessiva pode ser contrária a qualquer lógica, embora sua força compulsiva seja inabalável.
Esse mecanismo de formação de sintoma tem conseqüências importantes.
Em primeiro lugar, a prevalência do deslocamento e da substituição por analogia faz com que a operação do recalque, na neurose obsessiva, seja mais frágil do que na histeria.
Freud também nos diz que o obsessivo crê na representação recalcada.
Esse fenômeno da crença (Glauben) ou descrença (Unglauben) na representação vai ser, aliás, de extrema importância no estabelecimento do diagnóstico diferencial entre a neurose obsessiva e a paranóia, que é uma psicose.
Fiquemos por ora com a neurose obsessiva: o sujeito crê na auto-recriminação, crê na representação recalcada, e é essa crença que lhe permite duvidar.
A dúvida, que Descartes elevou à dignidade de um método filosófico, não é apenas um sintoma da neurose obsessiva. É também uma defesa contra a angústia, contra o afeto que se desloca de uma representação à outra.
A neurose obsessiva e a paranóia são, portanto, como já o havia dito Freud, distúrbios intelectuais, patologias do pensamento, embora bem distintas uma da outra
Corpo e Pensamento
Lacan, em 1975, define o obsessivo como um puro “eu penso”, chamando a atenção para a articulação íntima entre o pensamento e o corpo.
Para todos nós é bastante óbvio que pensamos porque temos um corpo, mas o que não é tão evidente é que pensamos à imagem e semelhança desse corpo.
Na experiência de Wallon, a criança, entre os seis e os oito meses, olha sua imagem no espelho, volta-se para o adulto que a acompanha em busca de confirmação e se rejubila ao se reconhecer naquela imagem.
A Gestalt fechada oculta a divisão do sujeito e, portanto, o protege de uma angústia que é angústia de castração, ou seja, derivada dessa fenda que funda o sujeito do inconsciente.
Há no entanto uma força de captura nessa imagem totalizante, e foi a isso que Freud denominou de narcisismo: o amor ao eu-imagem.
Chamamos, conforme Lacan, de eixo especular ao eixo que se estabelece entre o eu e a imagem. A imagem do eu é também a imagem de nossos semelhantes, que vamos amar, a partir do nosso próprio narcisismo, ou odiar, na medida em que ameacem a integridade de nosso eu. Assim sendo, o eixo especular é o eixo do amor e da agressividade.
É nele que está preso o obsessivo, e a sua oscilação entre o amor e o ódio pelos semelhantes Freud chamou de ambivalência.
O eu, então, é uma instância frágil que só se sustenta na palavra e na imagem e que está a todo momento ameaçado de ser denegrido pela palavra do outro, o que leva Lacan a dizer, brincando, que o eu é paranóico.
Nosso pensamento consciente está profundamente arraigado a essa dimensão imaginária. Fascinado pela imagem especular, o eu consciente tende a dar significação a tudo, compreender tudo, ou seja, fechar o pensamento à imagem e semelhança da Gestalt que vemos no espelho e na qual nos reconhecemos.
Do Sintoma à Fantasia
em 1896 Freud amarra a formação do sintoma ao destino que o sujeito dá à representação do trauma sexual: recalque (na neurose) e recusa (na psicose).
Nessa época, Freud acreditava que o trauma sexual acontecia de fato, era um dado objetivo.
No ano seguinte, numa carta a seu amigo Fliess, escreve, entre triste e jocoso, que foi obrigado a abandonar essa sua primeira teoria das neuroses, pois do contrário teria que admitir que todos os pais de Viena, inclusive o seu, eram uns pervertidos que atacavam sexualmente seus filhos.
Anos mais tarde, Freud conclui que tinha razão, o trauma sexual de fato ocorre, através dos cuidados higiênicos que o adulto proporciona ao bebê, e que nesse sentido a primeira grande sedutora é a mãe.
ao abandonar sua primeira teoria da neurose, Freud faz uma importante descoberta: não há indicação de realidade objetiva no inconsciente, a realidade é psíquica e é determinada pela fantasia inconsciente.
Ao falarmos de inconsciente, não há como distinguir a verdade da ficção, pois a verdade do sujeito é tecida de ficção.
Freud diz também que a fantasia sexual inconsciente se prende invariavelmente ao tema dos pais.
Freud descobre em sua auto-análise, que ele remete a Fliess, também nele próprio o desejo sexual pela mãe e a rivalidade mortífera para com o pai. Ele generaliza sua descoberta para todos os sujeitos e diz que é aí que jaz a força de atração que a tragédia Édipo Rei, de Sófocles, tem até hoje.
é justamente nesse ponto que a psicanálise se diferencia de todas as outras terapias que incidem sobre o sintoma.
Charcot usava o hipnotismo para sugestionar as histéricas e atingir os seus sintomas.
Freud dá um passo a mais e descobre que o valor da análise é que ela pode operar sobre a fantasia inconsciente do sujeito, modificar sua realidade psíquica, sua perspectiva de ver o mundo e seu modo de estar no mundo, muito além do sintoma.
Em sua fantasia, o sujeito obsessivo está preso ao tema da morte.
É a morte, a grande figura da castração, que ele tenta ludibriar empregando várias estratégias e ardis.
Um obsessivo pode, por exemplo, sofrer imensamente com a idéia que o atormenta da morte da pessoa amada.
Essa idéia é um sintoma, uma formação de compromisso, uma idéia substitutiva da representação intolerável do trauma que provocou gozo e culpa.
Porém, essa idéia obsessiva está também atrelada à fantasia inconsciente de que o pai pode matá-lo por ter desejado a mãe e é uma estratégia de desviar a vingança paterna.
É como se o obsessivo dissesse: antes ela do que eu. Se a morte deve levar alguém, que não seja eu! Por mais que isso o faça sofrer, o sofrimento originado por seus pensamentos é o preço que o obsessivo paga por seus ardis e seus truques.
O Obsessivo e o Pai
É comum alguém dizer, por exemplo, que se identifica com um amigo porque está atravessando os mesmos problemas que ele, e por isso acha que sabe o que ele está sentindo.
Para a psicanálise, porém, identificação é um conceito complexo que se divide em três modalidades específicas.
1,
Identificação Imaginária
- o sujeito se confunde com um outro. A identificação imaginária se estabelece a partir do eixo especular e, portanto, se baseia tanto no amor como na agressividade. Um grupo pode se unir pelo amor a um líder, mas freqüentemente precisa de um “estranho no ninho”, alguém que não faz parte do grupo, para ser o alvo da agressividade grupal. Essa é a raiz do preconceito e da discriminação.
2.
Identificação Regressiva
- aquela que se dá a um traço tomado do pai. É a identificação na qual se funda a neurose (histeria e obsessão), e podemos designá-la como identificação simbólica, pois o traço que se toma do pai é um traço simbólico.. Temos assim que o pai é a referência primordial na estrutura neurótica.
Identificação Histérica ou Identificação pela Via do Desejo
- no pátio de um colégio de freiras, uma mocinha recebe uma carta do namorado, ter minando o relacionamento deles. Tem uma crise nervosa e em breve o pátio está coalhado de mocinhas tendo crises nervosas. Qual a raiz dessa identificação? A falta que dá origem ao desejo.
Na neurose obsessiva a estratégia é a de tentar anular o desejo. É portanto uma estratégia mais radical, uma tentativa de fazer um curto-circuito no desejo, o que tem sérias conseqüências clínicas.
A estratégia obsessiva divide-se em duas partes:
trata-se de fazer calar o desejo do outro reduzindo-o aos pedidos que o outro lhe faz.
Ou então pode ser um sujeito “do contra”, que se opõe aos pedidos dos outros, mantendo assim a ilusão de que anula o desejo.
Quanto ao seu próprio desejo, o obsessivo o mantém como impossível. Ele é o tipo do sujeito que fica casado anos a fio, sem demonstrar amor ou desejo, e que só descobre que de fato amava a mulher quando ela finalmente desistiu dele.
O obsessivo é lento, protela suas atividades para fugir do desejo. Ou se precipita, é impulsivo, atua, age impensadamente para não se responsabilizar por seus atos.
O obsessivo crê no pai, crê no traço identificatório tomado do pai, e portanto crê nas palavras, crê no pensamento, e é a partir dessa crença que combate o desejo. O desejo é contra a lei, incestuoso — o desejo proibido pela mãe inclui o desejo da morte do pai.
O obsessivo, submisso, se identifica ao traço tomado do pai (identificação simbólica), mas também se identifica imaginariamente ao pai, cujo lugar quer ocupar. E é a partir daí que a culpa cobra seu preço.
Uma Estratégia Masculina
Embora na clínica possamos encontrar um maior número de homens obsessivos e mulheres histéricas, a experiência e a literatura psicanalítica
mostram que existem tanto homens histéricos como mulheres obsessivas.
Na neurose obsessiva, o sujeito é totalmente regido pela lógica fálica.
O obsessivo é o sujeito que precisa ter: ter
dinheiro, mulheres, carro do ano, computadores e mil bugigangas às quais ele atribui um valor fálico e que, no entanto, não recobrem a falta, que é de estrutura.
Através
dos objetos de valor fálico, o obsessivo tenta fazer calar o desejo, insistente, demoníaco, indestrutível que o habita.
Por estar totalmente submetida à lógica fálica, podemos dizer que a neurose obsessiva é uma estratégia masculina.
O Dialeto Obsessivo
O obsessivo crê na palavra, na força da palavra, em seu poder, e faz da palavra a sua religião particular.
Uma Religião Particular
A superstição, a crença nos poderes mágicos dos rituais e na magia de determinadas palavras, é, aliás, comum na neurose obsessiva.
Freud diz que os rituais do obsessivo têm o valor de uma religião particular.
Segundo ele, são atos mágicos que
revelam a onipotência dos pensamentos do sujeito, resquício da onipotência infantil.
Do mesmo modo, os obsessivos
acreditam em sonhos proféticos, em pensar numa pessoa e encontrá-la na rua ou receber um telefonema dela, narram presságios, na maioria das vezes sem importância.
É, portanto, a crença na onipotência dos pais o que o neurótico obsessivo — eterna criança — espelha nos seus rituais, nas suas previsões mágicas e nas suas supostas profecias.
A Direção do Tratamento
Freud localiza três fontes principais
de resistência ao trabalho analítico.
Duas delas são resistências que o eu apresenta em nome do narcisismo.
Afinal de contas, o narcisismo — amor do
eu por sua bela imagem — é a principal força opositora à análise do inconsciente.
A interpretação do analista, que aponta para o desejo inconsciente, sempre incestuoso, proibido, contra a moral e os bons costumes, ofende a lógica do obsessivo porque atinge sua estrutura de camuflagem e, para além do eu, revela o sujeito do desejo.
O analista não deve, entretanto, recuar frente a esse tipo de resistência.
Outra forma de resistência, que também provém do narcisismo, é a competição especular com o analista.
Crente da palavra, religioso da lógica consciente, o obsessivo se opõe ao equívoco e ao corte da
sessão, que são justamente as ferramentas mais adequadas que um analista tem para abordar esta neurose.
O paciente, que reclama do tempo para falar, gasta o tempo reclamando, sem dizer nada de importante. É a resistência a serviço da anulação do desejo.
Aqueles que na sessão curta dizem que têm
tanto para falar na sessão com tempo marcado se calam, suspiram, dizem banalidades, até que nos últimos minutos algo surge, de extrema importância e “já não dá tempo para
falar”. Tarde demais!
A Reação Terapêutica Negativa
As resistências que provêm do eu e do narcisismo, embora trabalhosas, são relativamente fáceis de serem suplantadas no trabalho analítico, uma vez que o analista esteja assegurado da transferência, ou seja, de que ocupa de fato o lugar de objeto causa de desejo do sujeito.
Freud fala entretanto de uma outra resistência que, na verdade, é mais do que uma resistência, é um fenômeno pouco estudado, mas que merece uma investigação profunda já que é, infelizmente, frequente na clínica da neurose obsessiva: a reação terapêutica negativa..
o paciente reagia como uma criança que, diante da admoestação de um adulto, insiste ainda em fazer o ato censurado (um ruído desagradável, por exemplo), antes de obedecer, para garantir sua autonomia.
O conceito da Pulsão de Morte é fundamental para a compreensão tanto da reação terapêutica negativa, como da neurose obsessiva, em toda a sua complexidade.
Na neurose, essa força destrutiva — a pulsão de morte — se encontra fundida com a libido — pulsão de vida —, e essa é a base do conceito de gozo, que Lacan irá desenvolver anos depois.
Como na neurose obsessiva a questão que funda a fantasia fundamental sobre o desejo da mulher, para além da mãe, é atravessada em curto-circuito pela questão sobre a morte, a pulsão de morte se faz presente de uma maneira excessiva.
Assim como a mulher, a morte não tem representação no inconsciente.
O neurótico obsessivo substitui as questões que dizem respeito à sexualidade (à mulher) por uma grande interrogação sobre a morte.
Surge na ambivalência das relações do sujeito com seus semelhantes, nas fantasias mortíferas em relação às pessoas amadas, no uso mortal das palavras, na magia dos rituais e na reação terapêutica negativa.
O supereu é particularmente cruel na neurose
obsessiva.
É o olhar que vigia e a voz que admoesta, sempre
prontos a torturar o sujeito.
Porém o supereu é, em grande parte, inconsciente, e seu sadismo não pode ser avaliado pelo sujeito.
Em seu aspecto consciente o supereu se presen-
tifica como a consciência moral, tão cara aos neuróticos obsessivos.
Embora não seja exclusiva da
neurose obsessiva, a reação terapêutica negativa se faz muito presente inclusive em tratamentos analíticos longos e bem conduzidos, quando o
sujeito se confronta com a realização de um desejo.
O supereu sádico, inconsciente, cobra seu preço e o sujeito manifesta reações que vão desde o agravamento dos sintomas a atuações lesivas contra sua pessoa, e até mesmo ao abandono de uma análise aparentemente bem-sucedida.
Um Problema para Karl Abraham
Karl Abraham foi um estudioso da neurose obsessiva e devemos a ele algumas das páginas mais elucidativas na descrição dessa patologia.
Um problema intrigava Abraham: a semelhança entre as manifestações observadas nos pacientes obsessivos e nos melancólicos.
Essa semelhança havia sido a razão principal de os psiquiatras, antes de Freud, considerarem que as obsessões faziam parte das loucuras maníacas e melancólicas.
Tanto na neurose obsessiva quanto na melancolia observa-se uma clara fixação na fase anal.
Sua pergunta na verdade era: por que a fixação numa determinada fase do desenvolvimento da libido dá origem tanto a uma neurose (obsessiva) como a uma psicose (melancolia)?
Abraham descreveu minuciosamente os fenômenos que apontam essa fixação libidinal: as particularidades relativas à limpeza e à ordem; a tendência a manter uma atitude obstinada e desafiadora, alternando com uma docilidade exagerada, uma bondade excessiva; e as anomalias na relação do sujeito com o dinheiro e com os bens.
Porém o que intrigava particularmente a Abraham
eram os “intervalos livres”, o tempo entre uma e outra crise na melancolia, em que a conduta do paciente não se distingue da de um obsessivo.
Um Problema para a Psicanálise
A resposta para Abraham veio do próprio Freud.
Tanto no luto como na melancolia, é uma perda que desencadeia o processo: pode se tratar tanto de uma perda de fato (de um ente querido, de um trabalho...), como de uma perda simbólica ou de um ideal.
Daí em diante os processos são diferentes: o luto pressupõe que o sujeito esteja simbolicamente referido ao pai, identificado a um traço simbólico tomado deste.
Isso permite o que Freud
chama de “trabalho do luto”, que é um trabalho com as palavras.
Freud o descreve de maneira muito poética: o
sujeito desfia uma a uma as lembranças e as recordações que o prendem ao objeto perdido, e nesse desfilamento simbólico vai retirando a libido que o prende ao objeto, até poder recuperá-la toda e reinvesti-la em um novo objeto.
Esse processo é possível porque, graças à identificação simbólica, o sujeito mantém uma relação estável com o objeto na fantasia.
Na melancolia, a ausência da identificação simbólica ao pai faz com que o sujeito se perca junto com o objeto perdido.
A célebre frase de Freud “A sombra do objeto recai
sobre o eu” deve ser tomada no sentido mais literal.
O sujeito e o seu eu tornam-se a sombra do objeto perdido.
Freud diz que na melancolia o sujeito sabe que perdeu algo mas não sabe o que perdeu junto com o objeto perdido.
O sujeito passa então a se incriminar, se lastimar e se auto-acusar como o mais indigno dos homens, o mais miserável, o culpado de todos os males que afligem a humanidade.
A euforia típica da mania é apenas uma defesa contra esse estado de absoluta desolação.
Freud chega mesmo a comentar que o sujeito melancólico tem razão, ele sabe sobre a indignidade da natureza humana, e diz que o espantoso é que o sujeito precise adoecer para se confrontar com essas verdades tão radicais.
As auto-recriminações são fenômenos presentes tanto na melancolia como na neurose obsessiva, porém diferem em sua origem e função.
Na neurose obsessiva a auto-recriminação é um sintoma, fruto do deslocamento da angústia e da culpa que acompanhavam a representação recalcada para outra representação substitutiva.
A Política da Neurose Obsessiva
Para a psicanálise, o sujeito é constituído pela palavra que vem do outro.
Assim sendo, não se sustenta a oposição entre interno e externo, entre indivíduo e sociedade.
O sujeito da linguagem é sempre o sujeito da polis, sujeito de cultura e, portanto, sujeito político.
O obsessivo, como já vimos, não tem discurso próprio — sua fala é em dialeto e ele é, sobretudo, submetido à palavra do outro, a quem obedece sempre, mesmo que seja “na contramão”, ou seja, fingindo que se opõe.
Por exemplo, um obsessivo que é atendido nas segundas, terças e quintas-feiras reage com um vigoroso protesto ao corte de sua sessão, numa quinta-feira. Indignado, encerra seu discurso dizendo: “Para mostrar a você que falo sério, não virei à sessão amanhã.”
A analista, que não atende às sextas-feiras,
retruca: “Está bem! Se assim o deseja marcarei uma sessão extra para você amanhã, às x horas.” extra para você amanhã, às x horas.” O que foi prontamente aceito pelo sujeito, que reconheceu em seu ato falho a emergência de um desejo inconsciente, em contradição com seus furiosos protestos.
Lacan nos diz que o neurótico obsessivo ocupa de bom grado a posição de escravo.
É um escravo que não se rebela, pois espera a morte do senhor para ocupar seu lugar.
Enquanto espera esse dia que nunca vem cumpre zelosamente seus deveres de escravo.
Na verdade o obsessivo, nessa posição de escravo, goza a contrabando porque se supõe essencial ao senhor: só ele sabe como fazer o outro gozar.
É óbvio que essa suposição é uma ilusão e o desespero toma conta do obsessivo ao constatar que ninguém é essencial a ninguém, e que o outro
pode, sim, perdê-lo.