As origens da sociologia brasileira
Quando se estuda o nascimento da Sociologia como ciência, é consenso afirmar-se que ela foi precedida por um conjunto de transformações sociais, econômicas, políticas,culturais e intelectuais que a tornaram possível no cenário da sociedade europeia do início do século 19. Assim, o desenvolvimento das Ciências Sociais está diretamente relacionado com a necessidade apresentada pela modernidade em compreender as relações entre os seres humanos a partir de critérios objetivos.
Até o início da década de 30 a maioria absoluta dos Manuais de Sociologia utilizados no Brasil eram de procedência estrangeira, tendo destaque as obras de franceses, espanhóis e portugueses. Os manuais estrangeiros passam a ser substituídos por produções nacionais, destacando-se as obras de Fernando de Azevedo. Especialmente dedicado à educação,Fernando de Azevedo redigiu e lançou o “Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova”, no qual propunham a educação como direito de todos os cidadãos, a função essencialmente pública da educação, a laicidade do ensino.
A produção, divulgação e relevância alcançada pela sociologia no país só foi possível em razão de um conjunto de condições que se estabeleciam na sociedade brasileira naquele momento, entre as quais se destaca:
A consolidação da cadeira de Sociologia nas escolas politécnicas e nos cursos superiores, especialmente de medicina e de direito;
A emergência de um cenário nacional favorável à reflexão sobre os rumos da sociedade brasileira a partir dos pressupostos das Ciências Sociais. Neste cenário pode-se destacar a expansão do processo de industrialização, a formação do movimento operário e sindical e a emergência de novas manifestações culturais;
A introdução da cadeira de Sociologia nos cursos secundários e nas escolas normais em alguns Estados do país;
Euclides da Cunha (1866-1909), reconhecido como um “marco na constituição da Sociologia brasileira”, pois sua obra principal, Os Sertões, representa o primeiro ensaio que faz uma descrição sociográfica e uma interpretação histórico-geográfica do meio físico, dos tipos humanos e das condições de existência do povo brasileiro.
Seu pensamento é marcado pelas influências do positivismo, do darwinismo social, do evolucionismo mecanicista e da concepção naturalista da história. Ao contar a história de Canudos, utiliza estas influências na construção do texto e na análise que faz deste acontecimento histórico da sociedade brasileira. A obra Os Sertões está dividida em três grandespartes: “A Terra”, “O Homem” e “A Luta”.
Na perspectiva histórica, especialmente presente na terceira parte do livro, “A Luta”, constata-se uma estrutura determinista que entende que os fundamentos de toda a realidade repousam na matéria, portanto os estudos devem partir dos aspectos geológicos, passando depois pelos acidentes do solo, pelas variações do clima para, finalmente, chegar às formas do ser vivo: à flora, à fauna, e ao homem.
Na perspectiva interpretativa, Euclides da Cunha procurou traçar um quadro evolutivo do Brasil sertanejo, que pudesse chegar ao entendimento da psicologia de Antônio Conselheiro e seus seguidores. Euclides entende que se trava um conflito entre dois grandes projetos de sociedade, um preso ao passado e ao meio rural,representado pelo messianismo, e outro que advoga o futuro e o progresso, representado pela República.
Oliveira Viana (1883–1951) defendia a tese de que a nação brasileira era constituída de três sociedades diferentes: a dos sertões (o sertanejo), a das matas (o matuto) e a dos pampas (o gaúcho)
Viana entende que somente a história é capaz de nos ajudar a reconstruir as diversas fases evolutivas de um determinado povo, desvendando seu modo próprio de ser. Para que isto seja possível é necessária a observação paciente de todos os detalhes do fenômeno social, procurando chegar às categorias capazes de expressar a sua realidade.
Para Oliveira Vianna, a abolição da escravidão e a Proclamação da República criaram um mundo novo, no qual a ordem imperial politicamente centralizada deixou de ter condições de sobrevivência. Era necessário algo novo para substituí-la. O Federalismo Republicano não era a melhor proposta, pois no momento em que retirava do centro o poder de arregimentação, liberava a força desordenada do jogo dos interesses dos grupos locais, podendo levar a um mundo caótico que ameaçava a própria integridade da Nação.
Caio Prado Junior (é reconhecido como “o fundador da interpretação marxista do Brasil” 1907-1990). Em geral, as categorias centrais que polarizam a produção teórica de Caio Prado Junior são: “o sentido da colonização”, “o peso do regime de trabalho escravo” e a “peculiaridade do desenvolvimento desigual e combinado”.
Quanto ao peso do regime de trabalho escravo, procura mostrar como o mesmo conformou a sociedade brasileira do período colonial e continua exercendo forte influência sobre o período pós-abolição. Entende que “a escravatura foi a única coisa organizada da sociedade colonial”.
Em relação ao “desenvolvimento desigual e combinado”, manifesta que ele “caracteriza toda a formação da sociedade brasileira, ao longo da Colônia, Império e República”. A sociedade brasileira conforma-se em uma sucessão de ciclos econômicos combinados com outras formas contraditórias de organização da vida e do trabalho.
No que se refere ao “sentido da colonização”, Caio Prado o entende como sendo o elemento que articula a maior parte de suas reflexões e está na base de sua interpretação da história brasileira. Reinterpreta o passado colonial, a Independência e a Proclamação da República para poder compreender a situação construída a partir da “Revolução de 1930”.
Gilberto Freyre (1900-1987) concentrou-se na análise das instituições e das formas sociais, tais como a família patriarcal, as etiquetas sociais e os tipos sociais. Para ele, a família patriarcal representa uma miniatura de sociedade, na qual o patriarca desponta como uma metáfora do governo e o patriarcalismo como metáfora do poder estatal. E desse o contexto que surge a ideia de ‘'democracia racial”
Já a noção de continuidade está referenciada na perspectiva histórica e nas esferas de sociabilidade.
Segundo Freyre, a diversidade cultural e regional um valor dotado de positividade sociológica.
Para Freyre, a sociedade se constitui por meio dos contatos sociais e ambientais travados cotidianamente, tendo por fundamento a interação física e mental entre os homens e o meio ambiente.
Para Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982) o brasileiro vivia em uma “pátria-exílio” e numa sociedade marcada pelo “predomínio de uma ética de fundo emotivo” que não garantia a justiça social, a distribuição de riquezas e o acesso à plena cidadania. Por isto ele defendia a ruptura com o passado colonial e o aprofundamento da “revolução brasileira” para se efetivar a modernização social e política do país.
Uma das ideias mais conhecidas de Sérgio Buarque de Holanda foi a do “homem cordial”. No livro Raízes do Brasil a palavra cordial é empregada em seu sentido etimológico, ou seja, vem de cor (coração), em latim. Ele descreve o “Homem Cordial” como aquele dotado de “um fundo emotivo extremamente rico e transbordante”; aquele que age e reage sob a influência dominadora do coração. A cordialidade é entendida como a passionalidade, a aversão a todo o convencionalismo ou formalismo social.
A cordialidade, apontada por Sérgio Buarque de Holanda, “impregna a alma dos brasileiros” e pode estar associada ao famoso “jeitinho”; à consagrada “lei de Gerson”; à máxima popular, “aos amigos, os favores da lei, aos inimigos, os rigores da lei”.