Só pode se referir a performances verbais realizadas, já que as analisa no nível de sua existência: descrição das coisas ditas, precisamente porque foram ditas. Análise enunciativa é, pois, uma análise histórica, mas que se mantém fora de qualquer interpretação: às coisas ditas, não perguntam o que escondem, o que nelas estava dito e o não-dito que involuntariamente recobrem, a abundância de pensamentos, imagens ou fantasmas que as habitam; mas, ao contrário, de que modo existem, o que dignifica para elas o fato de se terem manifestado, de terem deixado rastros e, talvez, de permanecerem para uma reutilização eventual; o que é para eles o fato de terem aparecido - e nenhuma outra em seu lugar. (FOUCAULT, 2005a, p. 124).
Regras que dirigem os discursos: Não mais tratar os discursos como conjuntos de signos (elementos significantes que remetem a conteúdos ou a representações), mas como práticas que formam sistematicamente os objetos de que falam. Certamente os discursos são feitos de signos; mas o que fazem é mais que utilizar esses signos para designar coisas. É esse "mais" que os torna irredutível à língua e ao ato de fala. É esse "mais" que é preciso fazer aparecer e que é preciso descrever.
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A segunda tarefa: é romper com a ideia todo discurso manifesto repousaria secretamente sobre um já-dito ; e que
este já-dito não seria simplesmente uma frase já pronunciada, um texto já escrito, mas um “já-mais-dito”, um discurso sem corpo, uma voz tão silenciosa quanto um sopro, uma escrita que não é senão o vazio de seu próprio rastro. Supõe-se, assim, que tudo o que o discurso formula já se encontra articulado nesse meio-silêncio que lhe é prévio, que continua a correr obstinadamente sob ele, mas que ele recobre e faz calar. O discurso manifesto não passaria, afinal de contas, da presença repressiva do que ele diz; e esse não-dito seria um vazio minando, do interior, tudo o que ele diz (FOUCAULT, 2005a, p. 28).