Nada obstante tal preocupação, uma precisão contextual cabe desde logo proceder e que é a seguinte: soa correto dizer que, de um lado, o presente, também nesse assunto, não elide o transcurso pretérito nem os modelos que, em abstrato, poderiam ser considerados ultrapassados, e de outro, que inexiste, no Brasil, uma “escola”, no estilo dos filósofos gregos, que tenha encontrado a verdade última de tal fenômeno. Tampouco, aliás, tanto o pensamento crítico do Direito Civil brasileiro quanto a vertente consolidada do Direito Civil Constitucional a isso se propuseram. O intento foi (e continua sendo) problematizar os limites e as possibilidades da responsabilidade civil, asseverando, de início, sem medo de equivocidade, que se mostra ainda acanhada a propalada “grande revolução silenciosa” que o tema teria operado no Brasil.
Para que seja possível fazer, com tais preocupações em mente, esse itinerário crítico e construtivo, impende principiar pelo percurso que a responsabilidade civil, em termos gerais, sulcou nos palcos da literatura jurídica em nosso País
Percurso
Para que se aporte naquilo que, atualmente, se designa como certa “reprogramação da obrigação de indenizar”3, cumpre reconhecer que o Brasil do pretérito, do tempo da codificação liberal de 1916, extraída dos modelos oitocentistas, tomou como cerne do trânsito jurídico a plena autonomia da vontade, sob a luz das formulações contratualistas, e dele projetou-‐se o dever de indenizar. Liberdade formal4 e responsabilidade comungaram dessa base liberal.
Os pressupostos eram claros e seguros: a responsabilidade, naquele estatuto, indicava precipuamente a punição do ofensor. Como expressão da propriedade, o prejuízo se ressarcia ao repor-‐se o patrimônio lesado. Ainda mais: em tal contexto de então, responder pressupunha fundamentalmente ser culpado.
Tais circunstâncias se alteram.
Décadas de debates na jurisprudência e na literatura jurídica brasileiras, fizeram emergir um viés progressivo de solidarismo social e a socialização dos riscos veio chancelar a responsabilidade sem culpa já no começo do século XX.
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