Historicamente, o amor transitou da idealização para a vigilância, para a ridicularização, e retornou à idealização. Inicialmente, na Idade Média, o amor cortês, trovadoresco, ideal e inatingível, foi a primeira manifestação do amor como relação pessoal. No Renascimento, se fortaleceu a vigilância moral e o casamento como negociação, e o amor ganhou uma tentativa tímida de associação entre espírito e matéria, através da popularização do ritual do casamento religioso. Na Idade Moderna, Igreja e Medicina procuraram separar amizade (direcionada ao casamento) e paixão (próxima à loucura e ao adoecimento). O amor, com o despertar do Iluminismo, passou a ser vinculado ao ridículo, ante um mundo que deveria ser voltado à razão. Desse período, o amor retornou à idealização, ao amor romântico, no século XIX, que se transformou em um fenômeno de massa na primeira metade do século XX, ambicionado por todos até os dias de hoje
O amor romântico surgiu no século XIX como uma possibilidade de libertação. O romantismo emerge da literatura em contraposição à racionalização excessiva pregada pelo Iluminismo. Se na Idade da Razão os homens consideravam o amor um passatempo, uma prática de sedução indispensável ao cortejo das mulheres, no século XIX os homens passam a considerar o amor uma finalidade nobre da vida. Os romances literários propõem novos sentimentos, em que a escolha conjugal é condição para a felicidade. Fala-se de amor poeticamente, transferindo-se a admiração da mulher exuberante para a mulher virginal. Constrói-se o mito de um amor doméstico, puritano, casto, controlado e cauteloso, sob medida para a classe média e possível para todos. Sua possibilidade universal, se não fosse concreta, tornava-se real no mundo dos sonhos e da fantasia, estimulada pela literatura da época
Além de puro, o amor romântico é também vitorioso. Vence, inclusive, o interesse econômico dos casamentos. Até então, a sobrevivência era o que sustentava o casamento e a família. O amor não era condição para tal, sendo, até mesmo, evitado. Os românticos se opõem a essa lógica, criticando os casamentos de conveniência como moralmente errados e prevendo para seus participantes a infelicidade perpétua. O romantismo defende, assim, a liberdade de escolha do cônjuge e a novidade de que o casamento deveria ser baseado no amor
A libertação romântica é, porém, insatisfatória. Calcada na idealização, oferece ao indivíduo um modelo de conduta amorosa. O mito do amor romântico, como relação estável e duradoura, é moldado no ideal da família burguesa e determina o papel que homens e mulheres devem desempenhar no romance. Enquanto aos homens novas oportunidades e posições de poder se estabelecem, às mulheres novas normas as submetem à vigilância moral. Os estereótipos de gênero são, assim, reiterados. Sustentado pelo ideal da família burguesa, o amor romântico fragiliza a mulher e reforça o papel do homem como patriarca. Se os homens passam a ter o direito de escolher sua noiva, as mulheres devem preservar sua castidade, aguardando, ansiosamente, pelo homem que irá salvá-la. Daí o sucesso dos contos de fadas, em que as mulheres são salvas ou melhoram de vida por meio da relação com um homem. A virgindade se transforma em um objeto de valor econômico e político, elevando o status da noiva. Dessa forma, se impõe à mulher a monogamia compulsória, e a família monogâmica garante a transmissão da herança gerada pela acumulação de bens do sistema capitalista
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