Cap. 2 O crescimento: ilusões e realidades. PIKETTY, Tomas. O Capital no século XXI. Rio de Janeiro: Ediotra Intrínseca, 2014. (p. 88)

Introdução (p.88)

Um processo de convergência no âmbito mundial, em que os países emergentes reduzem seus atrasos em relação aos desenvolvidos, parece hoje estar bem enraizado,ainda que a desigualdade permaneça muito forte entre os países ricos e os países pobres. (p.88)

Por outro lado, nada indica que a redução do atraso se deva principalmente aos investimentos dos mais ricos nos mais pobres — pelo contrário (ainda que isso seja possível,o investimento dos países emergentes em outros de condição semelhante parece mais promissor,levando em conta as experiências passadas)(p.88)⭐

Para ser mais preciso, veremos que o crescimento, a não ser em períodos excepcionais ou durante processos de redução de atraso econômico,tem sido sempre relativamente fraco e que tudo indica que enfraquecerá ainda mais no futuro, ao menos no que diz respeito à sua composição demográfica. (p.88)

Para compreender bem essa questão, e a maneira como ela se articula com o processo de convergência e com a dinâmica da desigualdade,é importante decompor o crescimento da produção em dois termos: o crescimento da população e o crescimento da produção por habitante. (p.88)

O crescimento durante períodos muito longos (p. 88)

taxas de crescimento durante períodos bem longos, como os representados na Tabela 2.1 (p. 89)

Esses níveis podem parecer baixos no contexto dos debates atuais, em que, com frequência,taxas de crescimento menores que 1% ao ano são consideradas insignificantes e em que se presume que um crescimento digno desse nome deve ser de, pelo menos, 3% ou 4% ao ano,talvez até mais, como foi o caso da Europa durante os Trinta Gloriosos e é o caso da China hoje. (p. 91)

não há dúvida alguma de que o crescimento foi muito baixo da Antiguidade até a Revolução Industrial, inferior a 0,1-0,2% ao ano.Isso se deu por uma razão simples: ritmos superiores teriam requerido ou uma população diminuta — e pouco plausível — no início da nossa era ou níveis de vida significativamente inferiores àqueles aceitos como níveis de subsistência.Pela mesma razão, o crescimento dos próximos séculos está claramente destinado a retomar patamares muito baixos, ao menos em relação ao componente demográfico. (p. 91)

A lei de crescimento acumulado (p.91)

“lei do crescimento acumulado”, isto é, aquela segundo a qual um crescimento anual baixo durante um período muito longo conduz a uma expansão considerável. (p. 91)

De fato, a população mundial aumentou no ritmo máximo de 0,8% ao ano, em média, entre 1700 e 2012.Contudo, acumulada ao longo de três séculos, essa taxa permite multiplicar a população mundial por um fator maior do que dez.Ou seja, o mundo tinha cerca de seiscentos milhões de habitantes em torno de 1700 e mais de sete bilhões em 2012 (ver o Gráfico 2.1).Se esse ritmo persistisse nos próximos três séculos, a população mundial ultrapassaria a marca de setenta bilhões de pessoas em 2300. (p. 92)

No transcorrer de um ano, um crescimento de 1% parece muito pouco, quase imperceptível, e as pessoas podem ter a impressão, a olho nu, de uma estagnação completa,de uma reprodução do passado quase idêntica de um ano para o outro. O crescimento pode parecer, assim, uma noção relativamente abstrata, pura construção matemática e estatística.Contudo, no horizonte de uma geração — ou seja, em torno de trinta anos —,que para os nossos olhos constitui uma escala de tempo bastante significativa para avaliar as mudanças em curso numa determinada sociedade,esse mesmo crescimento corresponde à expansão de mais de um terço, uma transformação substancial. (p. 92)

Gráfico 2.1 Crescimento da População Munidal 1700 - 2012 (p. 93)

A lei do “crescimento acumulado” é de natureza idêntica à lei chamada de “retornos acumulados”, segundo a qual uma taxa de retorno anual de alguns pontos percentuais,acumulada ao longo de várias décadas,conduz automaticamente a uma expansão muito forte do capital inicial — contanto que os retornos sejam sempre reinvestidos ou ao menos que a parte consumida pelo detentor do capital não seja grande demais em comparação com a taxa de crescimento do país. (p. 94)

A tese central deste livro é precisamente que uma diferença que parece pequena entre a taxa de retorno (ou remuneração) do capital e a taxa de crescimento pode produzir,no longo prazo, efeitos muito potentes e desestabilizadores para a estrutura e a dinâmica da desigualdade numa sociedade.Tudo decorre, de certa maneira, da lei do crescimento e do retorno acumulado, e, portanto, é aconselhável que nos familiarizemos com essas noções. (p. 94)

Tabela 2.2 Lei do crescimento acumulado (p. 95) correspondente ao juros compostos

As etapas do crescimento demográfico (p. 96)

A aceleração do crescimento demográfico foi, ao que tudo indica, bastante gradual,à medida que progrediam os conhecimentos na área médica e as melhorias das condições sanitárias — ou seja, um processo muito lento. (P. 96)

Foi de fato a partir de 1700 que o crescimento demográfico se acelerou, com taxas de expansão de 0,4% por ano, em média, no século XVIII, e depois de 0,6% no século XIX. (p. 96)

a taxa de crescimento da população europeia caiu pela metade, com 0,4% por ano entre 1913 e 2012, contra 0,8% entre 1820 e 1913.Esse é o fenômeno bem conhecido da transição demográfica: o aumento contínuo da expectativa de vida não foi suficiente para compensar a queda dataxa de natalidade, e, assim,o ritmo de crescimento demográfico voltou lentamente aos baixos patamares anteriores. (p. 96)

Na Ásia e na África, entretanto, a natalidade permaneceu elevada por muito mais tempo do que na Europa, de modo que o crescimento demográfico alcançou, no século XX,um nível vertiginoso: 1,5-2% por ano, o que significa que as populações se multiplicaram cerca de cinco vezes ao longo de um século, ou talvez até mais do que isso. (p. 97)

É interessante notar que os ritmos de crescimento demográfico alcançados pela Ásia e pela África no século XX — 1,5-2% ao ano — eram aproximadamente os mesmos da América nos séculos XIX e XX (ver a Tabela 2,3) (p. 97)

Os Estados Unidos também passaram de menos de três milhões de habitantes nos anos 1780 para cem milhões em 1910 e mais de trezentos milhões nos anos 2010,um incremento de mais de cem vezes em pouco mais de dois séculos. (p. 97)

A diferença crucial, sem dúvida, é que o crescimento demográfico do Novo Mundo se explica em grande parte pelos fluxos de imigrantes de outros continentes, sobretudo da Europa,enquanto os 1,5-2% de crescimento demográfico da Ásia e da África no século XX são inteiramente derivados da expansão natural da população (o excedente de nascimentos com relação às mortes) (p. 97) ⭐

É importante ter em mente que, no momento atual, estamos saindo desse processo de aceleração ilimitada do ritmo de crescimento demográfico.Entre 1970 e 1990, a população mundial se expandiu mais de 1,8% ao ano, o que é quase igual ao recorde histórico observado entre 1950 e 1970 (1,9%).Entre 1990 e 2012, o ritmo foi ainda de 1,3%, o que é muito alto. (p. 100) ⭐

De acordo com as previsões oficiais, a transição demográfica no âmbito mundial, isto é, a estabilização da população do planeta, deverá agora se acelerar.Segundo o cenário de referência das Nações Unidas, a taxa de crescimento da população poderá ficar abaixo de 0,4% por ano de agora até 2030-2040 e se estabelecer em torno de 0,1% 2070-2080 (p. 100)

Ver Gráfico 2.2 (p. 101) ⭐ É preciso salientar, ainda, que o fraco crescimento demográfico previsto para a segunda metade do século (0,2% entre 2050 e 2100) deve-se inteiramente ao continente africano (com uma expansão de 1% por ano).No caso dos outros três continentes, a população deverá se estabilizar (0% nas Américas) ou diminuir (–0,1% na Europa e –0,2% na Ásia). (p. 102)

Um crescimento demográfico negativo? (p. 102)

Na Europa, a França era um dos países mais populosos no século XVIII (como já salientamos,Young e Malthus viram nisso a origem da miséria dos camponeses e até a causa da Revolução Francesa),mas depois passou a ser caracterizada por uma transição demográfica insolitamente precoce,com uma queda brutal da taxa de natalidade e uma quase estagnação da população a partir do século XIX (fenômeno em geral atribuído a uma descristianização igualmente prematura),para, enfim,passar por um novo aumento atípico da taxa de natalidade no século XX — comumente associado às políticas voltadas para a família adotadas após as conflagrações militares e o trauma da derrota em 1940. (p. 103)

Sob essas condições, antever — como faz a ONU — um crescimento demográfico nulo na Europa até 2030, seguido de taxas ligeiramente negativas após 2030,não é absurdo e parece a previsão mais razoável possível.O mesmo vale para as evoluções previstas na Ásia e em outros países: as gerações que nascem hoje no Japão ou na China são cerca de um terço menos numerosas do que aquelas que vieram ao mundo nos anos 1990. (p. 104)

O crescimento como fonte de equalização dos destinos (p. 105)

O crescimento demográfico não tem consequências somente para o desenvolvimento e a potência relativa das nações: tem também implicações importantes para a estrutura da desigualdade. (p. 105)

Se tudo mais


permanecer constante, um crescimento demográfico forte tende a desempenhar um papel equalizador, uma vez que diminui a importância da riqueza acumulada no passado,e, portanto, da herança: cada geração deve de alguma forma se erguer por si mesma. (p. 105)

num mundo onde cada um tivesse dez


filhos, é claro que seria melhor — de modo geral — não contar com a herança, já que tudo seria dividido por dez a cada geração. (p. 103)

Veremos que a intuição sobre os efeitos de um crescimento alto da população pode, em certa medida,ser generalizada para as sociedades que apresentam crescimento econômico — não só demográfico — muito rápido. (p.105)

Em contrapartida, a estagnação da população — e, mais ainda, sua diminuição — aumenta o peso do capital acumulado pelas gerações anteriores.O mesmo vale para a estagnação econômica.Com um crescimento fraco,seria também bastante plausível que as taxas de retorno do capital ultrapassassem a


taxa de crescimento, condição que, como discutimos na Introdução,é a principal força que impulsiona uma intensa desigualdade na distribuição da riqueza no longo prazo. (p. 105-106)

Veremos que as sociedades patrimoniais do passado, profundamente estruturadas pela riqueza e pela herança,quer se trate de sociedades rurais tradicionais ou de sociedades europeias do século XIX, só podem emergir e perdurar quando o crescimento é muito baixo.Examinaremos em que medida o retorno provável a um fraco crescimento, caso se concretize,terá consequências importantes para a dinâmica da acumulação de capital e para a estrutura da desigualdade. (p. 106)

Isso concerne, sobretudo, à possível volta da herança, fenômeno de longo prazo cujos efeitos já se percebem na Europa e que podem se espalhar para outras partes do mundo.Aí está o motivo que explica por que é tão importante, no contexto de nossa pesquisa, familiarizarmo-nos a partir de agora com a história do crescimento demográfico e econômico. (p. 106)

o crescimento pode reduzir a desigualdade, ou ao menos levar a uma renovação mais rápida das elites (p. 106)

Quando o crescimento é nulo, ou muito baixo, as diferentes funções econômicas e sociais, os diferentes tipos de atividades profissionais,reproduzem-se de modo quase idêntico de uma geração para a outra.Um crescimento constante, ainda que de 0,5%, 1% ou 1,5% por ano, significa, ao contrário, que novas funções surgem sempre, que novas competências são necessárias a cada geração. (p.106)

Uma vez que os gostos e as capacidades humanas são transmitidos apenas parcialmente de uma geração para a outra — ou ao menos de forma bem menos automática do que o capital sob a forma de terra, imóveis ou ativos financeiros pode se transmitir por herança —, o crescimento pode facilitar a ascensão social de pessoas cujos pais não faziam parte da elite. (p. 106)

Todavia, deve-se desconfiar da ideia um pouco convencional de que o crescimento moderno atuaria como um incomparável revelador de talentos e aptidões individuais.Esse argumento tem a sua parcela de veracidade, mas foi muito usado desde o início do século XIX para justificar todo tipo de desigualdade,quaisquer que fossem sua amplitude e sua verdadeira origem, e para ornar com todas as virtudes os que obtiveram sucesso com o novo regime industrial. (p. 106)

Para Dunoy er, a desigualdade natural compreende as diferentes capacidades físicas,intelectuais e morais e se encontra no centro da nova economia do crescimento e da inovação que ele via à sua volta e que o induziu a rejeitar qualquer intervenção do Estado: “As habilidades superiores são a fonte de tudo o que há de grandioso e útil. Reduza tudo à igualdade e verá tudo reduzido à inação." (p.107)

As etapas do crescimento econômico (p. 107)

A


história do desenvolvimento econômico é, em primeiro lugar, a história da diversificação dos modos de vida e dos tipos de bens e serviços produzidos e consumidos.Trata-se, assim, de um processo multidimensional que, por natureza, não pode ser resumido corretamente num único indicador monetário. (p. 107)

Tomemos o exemplo dos países mais ricos.Na Europa Ocidental, na América do Norte e no Japão, a renda média passou de pouco mais de 100 euros por mês e por habitante em 1700 para mais de 2.500 euros por mês em 2012,
multiplicando-se em mais de vinte vezes. (p. 107)

Na realidade, a expansão da produtividade, ou seja, da produção por hora trabalhada, foi ainda mais elevada,uma vez que a duração média do trabalho por habitante diminuiu muito: todas as sociedades desenvolvidas escolheram, à medida que enriqueceram,trabalhar menos para desfrutar de mais tempo livre (jornadas de trabalho mais curtas, férias mais longas etc.) (p. 107)

Essa expansão espetacular aconteceu, em grande parte, no século XX.No Âmbito mundial, o crescimento médio de 0,8% por ano da produção por habitante entre 1700 e 2012 se decompõe em no máximo 0,1% no século XVIII, 0,9% no século XIX e 1,6% no século XX (ver a Tabela 2.1 (p. 108)

O poder de compra médio em vigor no Velho Continente quase não mudou entre 1700 e 1820, depois mais do que dobrou entre 1820 e 1913 e, por fim,aumentou mais de seis vezes entre 1913 e 2012. (p. 108)

Foi apenas no século XX que o crescimento econômico se tornou de fato uma realidade tangível e espetacular para todos.Durante a Belle Époque, nos anos 1900-1910, a renda média dos europeus era de no máximo 400 euros por mês, contra 2.500 euros por mês no início dos anos 2010. (p. 108)

Mas o que significa um poder de compra multiplicado por vinte, por dez ou mesmo por seis?Evidentemente, não significa que os europeus de 2012 produzem e consomem quantidades seis vezes maiores de todos os bens e serviços que eles produziam e consumiam em 1913. (p.108)

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Na Europa, como no resto do mundo, o crescimento do poder de compra e do padrão de vida ao longo do tempo resulta, antes de tudo,da transformação do perfil de consumo: um consumo majoritariamente constituído de produtos alimentares foi aos poucos substituído por outro muito mais diversificado,rico em produtos industriais e serviços. (p. 108)

O que significa um poder de compra multiplicado por dez? (p. 109)

Na realidade,a única maneira de medir de fato a expansão espetacular nos padrões e dos modos de vida conhecidos desde a Revolução Industrial consiste em analisar os níveis de renda expressos em moeda corrente e compará-los aos preços dos bens e serviços em vigor nas diferentes épocas. (p. 109)

Tipicamente, são três os tipos de bens e serviços: (p. 109) bens industriais - com crescimento acima da média -; os bens alimentares (expansão da produtividade foi
contínua); há os serviços, para os quais o crescimento da produtividade tem sido, de modo geral, fraco... e para os quais os preços aumentaram mais do que a média.(p. 109)

É importante ter em mente que é possível encontrar exemplos ainda mais espetaculares ao longo da história do desenvolvimento industrial (sobre aumento da capacidade de compra referente a redução do preço dos produtos).Tomemos o caso da bicicleta (p. 110)

Ao


longo de um período de trinta ou sessenta anos, faz sentido saber se a taxa de crescimento foi de 0,1% por ano (3% por geração),1% por ano (35% por geração) ou 3% por ano (143% por geração).Somente quando elas são acumuladas em períodos muito longos e alcançam multiplicações espetacularesé que as taxas de crescimento perdem parte de seu sentido e se tornam relativamente abstratas e arbitrárias. (p. 111)

O crescimento: uma diversificação dos modos de vida (p. 111)

Examinemos, por fim, o caso dos serviços, para os quais a diversidade de situações é, sem dúvida,a mais extrema. (p.111)

Contudo, a partir do momento em que os serviços passam a empregar 70-80% da mão de obra em todos os países desenvolvidos,isso significa que essa categoria estatística não é de fato pertinente: ela fornece poucas informações sobre a natureza das diferentes profissões e dos serviços produzidos na sociidade considerada. (p. 111)

Tabela: Emprego por setor de atividade França e EUA. 2.4 (p. 112)

além de constituírem mais de 20% do PIB e do emprego nos países mais avançados — parcela que deve ficar ainda maior no futuro —, a saúde e a educação representam, provavelmente,as melhorias mais reais e notáveis nas condições de vida ao longo dos séculos. (P. 114)

Sociedades nas quais a expectativa de vida era de no máximo quarenta anos ou o analfabetismo era quase geral foram substituídas por outras onde é comum ultrapassar os oitenta anose todos têm um acesso mínimo à cultura. p. 114)

Nas contas nacionais, o valor dos serviços públicos gratuitos é sempre estimado a partir dos custos da produção pagos pela administração pública, pelos governos — ou seja,pelos contribuintes.Esses custos incluem, em particular, a massa salarial para os funcionários de saúde e os professores empregados nos hospitais, nas escolas e nas universidades públicas. (P.114)

O fim do crescimento? (p. 115)

o crescimento espetacular da produção por habitante estaria fadado a cair inexoravelmente durante o século XXI?Se isso for verdade, ocorreria por razões tecnológicas, ecológicas ou por ambas ao mesmo tempo? (p. 115)

o crescimento do passado, embora tão extraordinário, deu-se quase o tempo todo com taxas de crescimento anuais relativamente baixas — em geral, não mais do que 1-1,5% ao ano.Os únicos exemplos históricos de crescimento sensivelmente mais alto do que isso — por exemplo,de 3-4% ou mais — foram os dos países com atrasos substanciais de desenvolvimento em relação aos demais e que, por isso, passaram por recuperações muito rápidas. (p. 116)

No nível global, a taxa de crescimento da produção por habitante ficou, em média, em 0,8% por ano entre 1700 e 2012, sendo 0,1% entre 1700 e 1820, 0,9% entre 1820 e 1913 e 1,6% entre 1913 e 2012. (p. 116)

Como indicamos na Tabela 2.1, a mesma taxa de crescimento de 0,8% por ano entre 1700 e 2012 é encontrada quando se avalia a evolução da população mundial. (p. 116)

o ponto relevante é que não existe nenhum exemplo na história de um país na fronteira tecnológica mundial no qual o crescimento da produção por habitante tenha sido sistematicamente superior a 1,5% (p. 118)

É essencial começar recapitulando essa realidade, uma vez que continuamos, em grande medida, impregnados pela ideia de que o crescimento deve ser de ao menos 3% ou 4% ao ano.Isso é uma ilusão, seja do ponto de vista histórico,seja do ponto de vista da lógica (p. 118)

Após esse preâmbulo, o que se pode dizer sobre as taxas de crescimento futuras?Para alguns economistas, como Robert Gordon, o ritmo de crescimento da produção por habitante já está se reduzindo nos países mais avançados, a começar pelos Estados Unidos,e poderia ser inferior a 0,5% por ano no horizonte 2050-2100.(p. 118)

A análise de Gordon se baseia na comparação de diferentes ondas de inovação que se sucederam desde as máquinas a vapor e o advento da eletricidade,bem como na constatação de que as ondas mais recentes — em particular a das tecnologias de informação — têm um potencial de crescimento sensivelmente inferior: elas alteram os modos de produção de forma menos radical e trazem melhorias menos significativas para a produtividade do conjunto da economia. (p. 118)

Com um crescimento de 1% ao ano,as transformações sociais são profundas (p. 119)

um ritmo de crescimento da produção por habitante da ordem de 1% ao ano é, na realidade, muito rápido, mais ainda do que se imagina normalmente. (p. 119)

Em trinta anos, um crescimento de 1% ao ano corresponde a um crescimento acumulado de mais de 35%;já 1,5% ao ano corresponde a um crescimento acumulado de mais de 50% no mesmo período. (p. 119)

Ainda assim,nossas vidas foram transformadas radicalmente: no início dos anos 1980 não existiam nem a internet nem ostelefones celulares, os transportes aéreos eram inacessíveis para um grande número de pessoas, a maioria das tecnologias de ponta da medicina disponíveis hoje ainda não existia,e apenas uma minoria tinha acesso ao ensino superior. (p. 119)

De fato, o crescimento da produção por habitante foi de, no máximo, 1-1,5% por ano ao longo dos últimos trinta anos na Europa, na América do Norte e no Japão. (p. 119)

Essas transformações também afetaram a fundo a estrutura dos empregos: quando a produção por habitante cresce 35-50% no espaço de trinta anos,isso significa que uma fração substancial da produção realizada hoje— entre um quarto e um terço — não existia há trinta anos, e, portanto,entre um quarto e um terço das carreiras e das tarefas realizadas hoje não existiam hátrinta anos. (p. 119)

Um país com um crescimento de 0,1% ou 0,2% ao ano se reproduz quase de forma idêntica de uma geração para a outra: a estrutura das carreiras é a mesma, assim como a da propriedade. (p. 119) ⭐

Um país no qual o crescimento é de 1% ao ano, como tem sido o caso dos países mais avançados desde o início do século XIX,é uma sociedade que se renova de modo profundo e permanente. (p. 119) ⭐

Veremos que isso traz consequências importantes para a estrutura da desigualdade social e para a dinâmica da distribuição de riqueza.O crescimento pode criar novas formas de desigualdade — por exemplo, fortunas podem ser construídas muito rapidamente nos novos setores de atividade — e, ao mesmo tempo,fazer com que a desigualdade do passado seja menos relevante, de modo que a herança seja menos determinante. (p. 119) ⭐

Por certo,as transformações engendradas por um crescimento de 1% ao ano são bem menos consideráveis do que aquelas que resultam de um crescimento de 3% ou 4% ao ano.Isso significa que o risco de frustração e desilusão é grande, uma vez que as esperanças estão depositadas em uma ordem social mais justa, em especial desde o Iluminismo. Sem dúvida, o crescimento econômico é incapaz de satisfazer essas esperanças democráticas e meritocráticas, que devem se apoiar na existência de instituições específicas,e não apenas nas forças do progresso tecnológico e do mercado.(p. 119-120)

A posteridade dos Trinta Gloriosos: destinos transatlânticos cruzados (p. 120)

Trinta Gloriosos, isto é, daquele período de trinta anos que vai do fim dos anos 1940 ao fim dos anos 1970, durante o qual o crescimento foi excepcionalmente intenso. (p. 120)

Ainda não se sabe qual foi o espírito malvado que nos impôs um crescimento tão fraco desde o fim dos anos 1970 e o início dos anos 1980.Ainda agora, no início dos anos 2010, imagina-se com frequência que o infortúnio dos últimos trinta anos, os “Trinta Desafortunados” (que, na verdade,estão mais para 35 ou quarenta anos), vai desaparecer, que o pesadelo vai se esvanecer e que tudo voltará a ser como antes.(p. 120)

Contudo, se nos remetermos aos fatos históricos, parece bem claro que os“Trinta Gloriosos” é que foram excepcionais, simplesmente porque a Europa acumulou,ao longo do período 1914-1945, um enorme atraso de crescimento em relação aos Estados Unidos. Tal situação foi logo dirimida durante os “Trinta Gloriosos”.Uma vez que a recuperação chegou ao fim, a Europa e os Estados Unidos voltaram juntos à dianteira mundial, à fronteira tecnológica,crescendo ao mesmo ritmo lento característico dessa posição. (p. 120)

Na Europa Ocidental, que foi muito mais afetada pelas duas guerras mundiais,as variações são incomparavelmente mais fortes: a produção por habitante estagnou entre 1913 e 1950 (com um crescimento de, no máximo, 0,5% ao ano),então saltou para mais de 4% de crescimento anual entre 1950 e 1970,antes de sofrer uma queda brusca e se estabilizar = no nível americano (ou levemente acima dele) no período 1970-1990 (pouco acima de 2%) e no período 1990-2012 (sem superar 1,5% ao ano). (p. 120))

Gráfico 2.3 Taxa de Crescimento por Habitantes (p. 122) A taxa de crescimento da produção por habitante ultrapassou 4% ao ano na Europa de 1950 a 1970, antes de cair novamente para os níveis americanos.

Se nos concentrarmos na Europa continental, encontraremos um crescimento médio da produção por habitante superior a 5% por ano entre 1950 e 1970,totalmente além de todas as experiências dos países ricos ao longo dos últimos séculos. (p. 121)

Essas experiências coletivas de crescimento tão diferentes no século XX explicam, em grande medida,por que os países têm hoje muitas divergências de opinião sobre a globalização comercial e financeira, e até sobre o capitalismo de maneira mais geral. (p. 123)

Na Europa continental, sobretudo na França, ainda se vê as primeiras décadas do pós-guerra, marcadas por um forte intervencionismo estatal,como um período abençoado de crescimento,e muitas vezes se esbarra nos argumentos de que a liberalização econômica iniciada nos anos 1980 foi responsável pela queda do ritmo de expansão econômica. (p. 123)

No Reino Unido e nos Estados Unidos, a leitura da história do pós-guerra ébastante diferente.Dos anos 1950 aos anos 1970, os países anglo-saxões foram rapidamente alcançados pelos que haviam perdido a guerra.Ao fim dos anos 1970, as capas de revista que denunciavam o declínio americano e o sucesso industrial da Alemanha e do Japão se multiplicaram nos Estados Unidos. (p. 123)

Na verdade, nem o movimento de liberalização instaurado por volta de 1980 nem o movimento de estatização adotado em 1945 merecem o excesso de honrarias ou indignações.É provável que a França,a Alemanha e o Japão tivessem recuperado seu atraso no crescimento depois do afundamento dos anos 1914-1945 quaisquer que fossem as políticas implantadas (ou quase) (p. 123)

O máximo que se pode dizer é que o estatismo não fez mal.Do mesmo modo, uma vez que esses países alcançaram a fronteira tecnológica, (p. 123)... Numa primeira aproximação, as políticas de liberalização não parecem ter influenciado essa simples realidade, nem para cima, nem para baixo. (p. 123-124)

A dupla curva em sino do crescimento mundial (p. 124)

Ao longo dos últimos três séculos, a trajetória do crescimento econômico foi de uma curva em formato de sino de grande amplitude. (p. 124)

Quer se trate da expansão demográfica ou do aumento da produção por habitante, o ritmo de crescimento acelerou-se progressivamente durante os séculos XVIII e XIX,e sobretudo no século XX. Ao longo do século XXI, tanto a expansão demográfica quanto a da produção por habitante podem estar perto de voltar a níveis muito mais baixos. (p. 124)

Em relação ao crescimento da produção por habitante, as coisas são bem mais complexas.Esse crescimento propriamente “econômico” demorou bastante para decolar: ele foi quase nulo no século XVIII,alcançou um nível mais significativo no século XIX e só se tornou uma realidade compartilhada no século XX. (p. 124) ⭐⭐⭐

O crescimento da produção mundial por habitante ultrapassou os 2% ao ano entre 1950 e 1990 — graças à recuperação da Europa — e novamente entre 1990 e 2012,graças à recuperação da Ásia, sobretudo da China, onde o crescimento foi maior do que 9% ao ano nesse período,segundo as estatísticas oficiais (um nível jamais visto na história). (p. 124) ⭐⭐⭐

O que há de acontecer depois de 2012? No Gráfico 2.4, mostramos uma previsão de crescimento “mediana”, mas que, na verdade, é relativamente otimista, uma vez que consideramos para os países mais ricos — Europa Ocidental,América do Norte, Japão — um crescimento de 1,2% por ano de 2012 a 2100 (nível bem mais elevado do que o previsto pelos economistas) e para os países pobres e emergentes uma continuação tranquila do processo de convergência,com um crescimento de 5% ao ano de 2012 a 2030 e de 4% de 2030 a 2050. ⭐⭐

Se isso se concretizasse, o nível de produção por habitante em quase todos os países alcançaria, a partir de 2050, o das nações mais ricas, tanto na China quanto no Leste Europeu,na América do Sul, no Norte da África e no Oriente Médio. (p. 124) ⭐

Gráfico 2.4 Taxa de crescimento da produção por habitante (histórico e projeção) (p. 126)

A questão da inflação (p. 129)

A grande estabilidade monetária dos séculos XVIII e XIX (p. 130)

Voltemos no tempo. O primeiro fato essencial que devemos ter em mente é que a inflação é, em grande parte, uma invenção do século XX.Ao longo dos séculos anteriores, e até a Primeira Guerra Mundial, a inflação era nula ou quase nula.Os preços podiam, às vezes, subir ou cair fortemente durante alguns anos, quiçáalgumas décadas, mas esses movimentos de alta e baixa acabavam se compensando.Foi assim para todos os países dos quais dispomos de longas séries de preços. (p. 130-131)

Em particular, se calcularmos a média da alta dos preços entre 1700-1820 e entre 1820-1913, observa-se uma inflação insignificante tanto para a França quanto para o Reino Unido,os Estados Unidos e a Alemanha: no máximo 0,2- 0,3% por ano.Constatam-se, além disso, níveis levemente negativos, como no Reino Unido e nos Estados Unidos durante o século XIX (–0,2% por ano, em média, nos dois casos entre 1820 e 1913). (p. 131)

O significado da moeda nos clássicos da literatura (p. 132)

No século XVIII, o crescimento da produção e da renda por habitante era bastante fraco.No Reino Unido, a renda média era da ordem de 30 libras por ano em 1800-1810, época em que Jane Austen escreveu seus romances. ... Essa renda média não era em nada diferente


da observada entre 1720 e 1770: tratava-se, portanto, de pontos de referência muito estáveis,com os quais a escritora cresceu e conviveu.

O fim dos padrões de referência monetários no século XX (p. 133)

Esse mundo desabou em definitivo com a Primeira Guerra Mundial.Para financiar os combates — que eram de uma violência e intensidade inusitadas —e para pagar os soldados e os armamentos cada vez mais custosos,os governos se endividaram em larga escala. (p. 133)

Em agosto de 1914, as principais nações beligerantes acabaram com a conversibilidade das moedas em ouro.Depois da guerra, todos os países usaram, em graus variados, a emissão monetária para absorver a enorme dívida pública.

As tentativas de restabelecer o padrão-ouro nos anos 1920 não sobreviveram à crise dos anos 1930 — o Reino Unido saiu dopadrão-ouro em 1931, os Estados Unidos, em 1933, e a França, em 1936.O padrão-ouro do período pós-Segunda Guerra durou apenas um pouco mais: adotado em 1946, ele desapareceu em 1971 com o fim da conversibilidade entre o ouro e o dólar. (p. 134)

Gráfico 2.6 A inflação desde a Revolução Industrial (p. 135)

Entre 1913 e 1950, a inflação superou 13% ao ano na França (ou seja, uma multiplicação dos preços por cem) e alcançou 17% na Alemanha (uma multiplicação por mais de trezentos).No Reino Unido e nos Estados Unidos, países menos atingidos pelas guerras, e não tão desestabilizados politicamente,a taxa de inflação foi mais baixa: no máximo 3% ao ano entre 1913 e 1950.Ainda assim, isso representa uma multiplicação dos preços por três,após dois séculos de estabilidade monetária (p. 136)