FRISCHTAK, Cláudio R.; BELLUZZO, Luiz G. de Mello. Produção de commodities e Desenvolvimento econômico: uma introdução. p. 9-20. In: BELLUZZO, Luiz G. de Mello; FRISCHTAK, Cláudio R.; LAPLANE, Mariano (Orgs.). Produção de commodities e Desenvolvimento econômico. Campinas: UNICAMP. Instituto de Economia, 2014. 126 p.
Introdução
Recursos naturais sem determinismo histórico
O papel do conhecimento na formação da indústria florestal sueca.
A experiência histórica, contudo, é bem mais complexa e sugere que não há uma relação causal entre a relativa abundância de recursos e as limitações ao crescimento (p. 10)
Do papel ao celular: o caso da finlandesa Nokia
A mineração australiana em anos recentes
(exportação de commodities) Afinal, estamos diante de uma maldição ou de uma bênção? (p. 09)
debate sobre o desenvolvimento econômico relaciona-se com a combinação de uma demanda crescente de matérias-primas e produtos da agricultura pelas economias emergentes, a escalada de preços da última década e sua consequente maior atratividade. (p. 09)
Retornos acima da média estariam atraindo em economias emergentes e em desenvolvimento um fluxo crescente de investimento e mobilizando fatores (escassos) domésticos e externos, elevando o grau de especialização nos segmentos de recursos naturais em detrimento do restante da economia, particularmente da indústria de transformação e serviços avançados. (p. 09)
Argumenta-se, inclusive, pela causalidade do processo: os problemas de governança dos recursos naturais e a captura do Estado por uma elite predatória, e cujas decisões poucas vezes levaram em conta o interesse público, seriam decorrentes da própria abundância de recursos naturais. (p. 09)
Ao mesmo tempo, do ponto de vista distributivo, teme-se que os frutos de “boom” não levem ao desenvolvimento sustentado inclusivo; pelo contrário, que sirvam apenas para concentrar riqueza e renda nas mãos de poucas empresas e indivíduos. (p. 09)
Não são poucos os exemplos de países que permanecem quase que absolutamente dependentes de um recurso exaurível como o petróleo – a exemplo de Guiné Equatorial, Nigéria, Angola, Venezuela – e que estão aprisionados a uma aparente maldição que se expressa por erros sistemáticos de política econômica, uma alocação de investimentos públicos de baixo retorno social e a incapacidade dos governos de gerir adequadamente os recursos. (p. 09)
Nesta perspectiva, não se pode concluir pela maldição dos recursos, pois há muitos países que souberam usar judiciosamente seus recursos (nórdicos, Canadá, Austrália, Chile). Nestes casos, uma conjugação de fatores levou a uma transformação estrutural na economia e uma melhoria de longo prazo no bem-estar da população. (p. 09)
Para os críticos, há fundamentalmente três argumentos que desqualificariam as vantagens da exploração de recursos naturais. (p. 10)
a chamada tendência secular da deterioração dos termos de troca (Prebisch-Singer), que levaria ao empobrecimento progressivo dos países exportadores de commodities agrícolas e minerais. (p. 10)
a maior volatilidade de preços de commodities frente
aos bens industrializados, que dificultaria a gestão macroeconômica dos países. (p. 10)
a fragilidade do legado da exploração de commodities tanto no plano econômico-ambiental, como político-
-institucional. (p. 10)
a constituição de uma elite predatória que se apodera do Estado, cujo caso limite são as cleptocracias que lá se incrustam e as guerras civis travadas entre grupos que se digladiam pelas rendas da exploração dos recursos naturais. (p. 10)
O forte aumento da receita líquida do comércio com o resto do mundo levaria a uma apreciação do câmbio real, a atração de recursos para o setor com fortes vantagens comparativas e uma menor diversificação das exportações (p. 10)
No limite, a produção de bens transacionáveis em uma
economia acometida pela “doença holandesa” seria reduzida ao recurso natural exportado.
A hiperespecialização, por sua vez, se caracterizaria pela ausência de conexões entre o setor exportador –
operando como em um enclave - e o restante da economia.
A escassez de externalidades (positivas) geradas pela produção de commodities seria possivelmente o legado mais adverso da ênfase produtiva e exportadora em recursos naturais. (p. 10)
A experiência histórica indica que o processo de desenvolvimento é o esforço de superar as amarras da escassez, dos limites impostos pela falta de informação e conhecimento e pela fragilidade e qualidade da representação política, por meio da construção de instituições direcionadas para o bom governo – isto é, voltado ao interesse comum. (p. 10)
Em última instância, é o que possibilita a expansão da fronteira econômica e o aumento da produtividade, com base nas infraestruturas que integrem o espaço econômico, no investimento em capital humano (saúde e educação) e em ciência e tecnologia. (p. 10)
Há anos que a literatura do desenvolvimento econômico aponta para a possibilidade de que a abundância de recursos naturais seria na realidade não uma dádiva, mas uma “maldição”. (p. 10)
Esta hipótese foi reforçada pela experiência dos países do sudeste da Ásia que experimentaram elevadas taxas de crescimento no pós-guerra, e cujo arquétipo foi o Japão: um conjunto de ilhas cujo único ativo “natura” seria sua população. (p. 10)
A emulação da experiência japonesa (e a similaridade na escassez de recursos naturais) pelos quatro “tigres” – Coréia do Sul, Taiwan, Singapura e Hong-Kong – comprovaria, ou ao menos em muito reforçaria, a tese de que crescimento econômico e abundância de recursos eram negativamente correlacionados. (p. 10)
Estados Unidos: da mineração à indústria de transformação
As primeiras escolas técnicas na Suécia surgiram no início do século XIX (p.11)
Em 1913, o país era dominante na produção de todos os minerais essenciais para a indústria, tendo o coeficiente de intensidade mineral das exportações de manufaturas aumentado de forma acentuada entre 1879 e 1914, exatamente na época que os Estados Unidos atingem a liderança mundial na produção manufatureira3 (p. 11)
David e Wright (1997) apontam três fatores decisivos nesse processo de expansão virtuosa da economia de recursos minerais dos Estados Unidos:
Ao impulsionarem a produção e a exportação manufatureiras, a abundância e a intensidade de uso dos recursos naturais permitiram à economia norte-americana se tornar dominante nesse período. (p. 11)
(2) os investimentos em bens públicos e na infraestrutura associada ao conhecimento; (p. 11)
um ambiente legal e regulatório que estimulou a exploração privada dos recursos minerais, por meio da privatização (nem sempre dentro do marco legal) de grandes áreas; (p. 11)
(3) a educação em mineração, metalurgia e geologia. (p.11)
O elemento central, contudo, foi o investimento em conhecimento científico e tecnologia, consubstanciado na fundação em 1879 do U.S. Geological Survey (USGS), possivelmente o maior e mais ambicioso projeto científico do século XIX nos Estados Unidos, cujo valor prático dos mapas geológicos gerou amplo apoio empresarial para suas atividades de pesquisa. (p. 11)
Em paralelo ao esforço no avanço da educação terciária, em 1842 o governo sueco instituiu um sistema escolar obrigatório nos níveis primário e secundário, com o objetivo de garantir um grau de competência básica em leitura, escrita e aritmética para todos os cidadãos. O resultado foi
alcançar taxas de alfabetização próximas de 100% em uma geração (p.11-12)
Em 1850, o país tinha 700 formados de cursos vocacionais, número que aumentou para 2000 em 1890, depois para 15.000 em 1950, chegando em 100.000 ao final dos anos 1960 (Blomström & Kokko, 2007) (p.12)
Já ao final do século XIX, os Estados Unidos se
tornaram a maior economia mineral, sem paralelo em termos de escopo, qualidade dos ativos e tamanho de reservas. (p.11)
Em 1890, contava com cerca de 20 faculdades com programas de graduação em mineração e, poucos anos depois, a Universidade da Califórnia-Berkeley detinha a maior faculdade de minas do mundo (sendo que em 1917 havia nada menos do que 7.500 engenheiros de minas nos Estados Unidos). (p.11)
Vale sublinhar adicionalmente que, já ao final do século XIX, os Estados Unidos lideravam a educação em engenharia
de minas e metalurgia, sendo que a instituição precursora foi a Columbia School of Mines (1864).
O Instituto de Estocolmo nasceu em 1829 e, em 1877, tornou-se o Royal Institute of Technology, referência em engenharia florestal até os dias atuais. Em 1899, havia 35 institutos técnicos no país e, em 1909, eram 66 (Ahlström, 1992, p. 7)5 (p.11)
De 1850 em diante, centros técnicos e universidades foram fundados em todo o território sueco, substituindo o “aprendizado familiar”. A maioria dos recursos vinha da iniciativa privada, mas também havia participação do Estado, sendo que tanto o governo quanto empresas pagavam a formação em universidades fora do país. (p.12)
Informação de ponta estava disponível a todas as empresas e não somente às maiores que poderiam ter um departamento de P&D. A rede do ensino técnico na Suécia tornou-se a base para o cluster de serviços avançados e elemento essencial para evolução da economia para uma produção de maior valor agregado. (p.12)
Desta forma, a criação de uma rede de conhecimento gerava informação técnica no país, além da facilidade em “importar” conhecimento de outros países. Estas redes serviram como substitutos a departamentos de pesquisa e desenvolvimento (P&D) dentro das empresas, por seu caráter público. (p.12)
Tabela 1. Composição das exportações suecas - 1881-1885 e 1911-1913 (%) (p. 13)
A Suécia é líder no
desenvolvimento de práticas ambientalmente corretas e novos processos industriais. (p. 13)
Frente ao cenário global em que o país enfrenta elevados custos de matéria-prima e mão-de-obra, o setor desenvolve novos processos para aumento de produtividade, além de migrar para operações de maior valor agregado. (p. 13)
A indústria está entre as com maiores gastos de P&D do país, em aproximadamente 4% do seu valor adicionado; e existem diversos centros de pesquisa e alta integração com faculdades. Assim, papel, celulose e madeira se mantiveram entre as principais exportações do país nos últimos 150 anos e o país aparece na fronteira de produção e exportação de casas pré-fabricadas e móveis. (p. 13)
Em síntese, a prosperidade da indústria sueca deve-se à capacidade de constante migração para produtos de maior valor agregado. Para tanto, foi decisiva a formação de um cluster de conhecimento técnico, que permitiu grande versatilidade à economia. (p. 13)
O sucesso do programa deu-se pela interação da Nokia com uma rede de universidades locais, bem capacitadas para elevar o patamar de educação formal de seus empregados. Desta forma, por meio de um alto nível de capacitação de seus funcionários, a Nokia foi capaz de absorver as tecnologias, habilidades e conhecimentos de suas aquisições e parcerias no exterior. (p. 14)
Com o boom das telecoms, a Nokia já havia adquirido know-how técnico, comercial, de marketing e de distribuição para se tornar uma empresa global. Tornou-se a maior produtora de telefones celulares entre 1986-1989 e a primeira a desenvolver um aparelho que poderia caber em um bolso. (p. 14)
A trajetória de sucesso da Austrália na mineração só começou a tomar forma a partir de 1970. Com o século XIX pautado pela extração de ouro, os australianos não se preocuparam em absorver os spillovers da atividade, agindo de forma similar às colônias latino-americanas. (p. 14)
Wright e Czelusta (2003) argumentam que os australianos só deslanchariam após 1960, quando o governo suspendeu o embargo a novas minas de ferro. (p. 14)
O embargo, estabelecido em 1938, refletia a visão dominante no país de que nada adiantaria aumentar a produção, pois o país logo passaria de exportador para importador de minérios.. (p. 14)
O receio que a dotação finita de minérios levaria à dependência externa, junto com normas amplamente aceitas, porém pouco científicas12, induziram ao congelamento da produção (p. 14)
A partir de 1960, agora com apoio do Estado, ocorreram descobertas em série de ferro e minérios nunca antes encontrados no continente, como cobre, níquel, bauxita, urânio e fosfato. Seguindo a lógica da “criação de reservas”, em 1975 a produção de ouro aumentou rapidamente, quando muitos já consideravam o recurso como exaurido. A indústria do ouro australiano foi marcada pelo uso intensivo de novas tecnologias, possibilitando a recuperação de minas de baixíssimo teor, antes consideradas inviáveis.(p. 14)
Com diversas universidades centenárias já estabelecidas, a combinação de absorção de conhecimento externo, spillovers de produção e desenvolvimento de tecnologia própria impulsionou a mineração. De 1989 a 1999, aumentaram tanto as reservas como a produção de 22 dos 32 minerais no continente australiano..(p. 15)
Esse fato explica, em parte, a capacidade de absorver os ganhos da mineração a partir de 1960, bem como seu reverso durante a extração de ouro no final do século XIX. Com uma rede de universidades estabelecida, formar um pólo de conhecimento para a mineração ocorreu naturalmente.(p. 15)
Essa “naturalidade” é refletida nos números para a época. Entre 1996 e 2006, os ganhos anuais vindos da propriedade intelectual da mineração australiana saíram de US$ 40 milhões para US$ 1,9 bilhão (superando a exportação de vinhos, a título de comparação). Entre 1995-96, os gastos em P&D da mineração representavam quase 20% de todos os gastos em P&D no país (Wright & Czelusta, 2007). Uma pesquisa realizada entre julho e setembro de 1996 revelou que o setor gastava uma média de US$ 896 em treinamento por empregado, enquanto a média para o resto da economia era de US$ 185. A mesma pesquisa apontou que 5,8% do gasto em pessoal era usado para treinamento, contra 2,5% no resto da economia. Ao final de 2000, 60-70% dos softwares para mineração usados no mundo eram australianos (Stoeckel, 2000). O caso da Austrália demonstra como a expansão da base mineral de um país pode levar ao crescimento econômico e a avanços tecnológicos..(p. 15)
O que esses e outros casos sugerem? A migração de uma economia baseada em recursos naturais para uma economia de conhecimento não se dá de forma automática ou trivial. Porém, é marcante a semelhança entre as características que levaram ao êxito (e, quando ausentes, ao fracasso). Esses elementos parecem ser visíveis tanto em países que obtiverem sucesso em anos recentes e também em outros na virada para o século XIX (p. 15)
A primeira característica observada é a formação de um cluster de conhecimento especializado.
Este cluster tem dois aspectos-chave (p. 15)
fomento da educação
fomento da pesquisa
A educação que leva
a novas habilidades,
enquanto a pesquisa traz maior conhecimento, sendo que ambas introjetam maior versatilidade à economia, podendo migrar para indústrias calcadas em conhecimento (p. 15)
Tabela 2. Taxas históricas de alfabetização em países selecionados – 1870-2009 (%) (p 16).
Finalmente, cabe destacar a formação e o desenvolvimento de indústrias relacionadas. Estas variam dependendo da commodity, mas três são recorrentes: máquinas e equipamentos, transportes e química. (p. 16)