GORELIK, A. Brasília: Museu da vanguarda 1950 e 1960

Compreender Brasília

Brasília deve ser encarada na história como o "museu da modernidade" e como um dos momentos mais densos da cultura moderna

Quando Brasília estava no período final de construção, o modernismo já tinha entrado em decadência, visto como "um estilo que errou em tudo" ou que havia acertado, com suas diretrizes vistas como segregadoras.

"Assim, em sua queda, Brasília arrastará consigo não somente uma ideia de cidade, mas toda a arquitetura brasileira, que não voltou a recuperar um papel de protagonista, embora continuasse produzindo algumas arquiteturas de grande qualidade -como as de Lina Bo, Vilanova Artigas ou Paulo Mendes - e intensos fenômenos urbanos, como as dezenas de cidades novas que foram criadas, desde então, no Amazonas." p.152

Presunção da crítica ocidental

É necessário incorporar as críticas para compreender Brasília e a conjuntura se sua implantação. Assim o texto vai girar em torno da análise das críticas ao plano da cidade, levantando o contexto social do país e o Estado que se criava.

Julgamentos da crítica que comprometem a análise de sua construção - p.153

Segregação espacial

Autoritarismo planificador, Estado desenvolvimentista e sua utopia

Divisão de funções

Ausência de qualidade urbanas tradicionais (rua)

Abstração e anonimato. Excesso de representatividade

Valor simbólico

"Brasília, como 'capital interior', consuma uma série de mitologias de efeito duradouro no Brasil, desde a aventura da fronteira, a 'Marcha para o Oeste', até o papel simbólico da unificação de litoral e sertão, reivindicada desde cedo coo questão decisiva da constituição da nação." p.153

Encerramento de ciclos

Entender o modernismo tardio de modo amplo, além da estética, mas sob o ponto de vista de que os ciclos encerrados encadeiam todo um setor do modernismo, que tem sua máxima expressão em Brasília.

Museu da modernidade

Brasília nasce consciente de sua importância simbólica para a epopeia nacional, e com uma identidade que outras cidades, mesmo mitológicas como Paris, Londres, Veneza... só obtém ao longo de um certo tempo.

"Pois bem, creio que, sob esse ponto de vista, Brasília teve o notável mérito de produzir abnitio um efeito análogo, conseguindo substituir a densidade cultural das camadas históricas de discursos com a radicalidade instantânea do voluntarismo projetual tomando forma." p. 155

"Os plano nos dizem 'essa cidade te forma', e nessa forma radica boa parte de sua identificação estética e, por meio dela, cultural e cidadã." p. 156

Catetinho

A arquitetura do catetinho, mesmo (ou até por) planejada como provisória, ao ser declarado patrimônio histórico se torna símbolo e "museu de si mesmo", "[...] uma arquitetura capaz de expressar a essência política e cultural da epopéia de Brasília. "p.156

"A combinação, obtida na própria imagem do edifício, de valores tais como espírito pioneiro, adequação cultural-ecológica e austeridade republicana é insuperável." p. 156

Monumentalidade pela expressão

"E é nesse sentido profundo que as arquiteturas de Brasília são monumentais: porque, como os verdadeiros monumentos, tornam presente, materialmente, o acontecimento e a vontade que as produziu, representações acabadas de uma modernidade que soube ser estética, política e cultural." p. 157

Anterior a "logotipização" da cidade e à arquitetura com fins publicitários". As distâncias entres os edifícios são necessárias para reconhece-los como obra de arte,

Museificação

A museificação da Brasília é algo novo no modernismo também, como mostra na p. 159 sobre os casos das Siedlugen alemãs e da cidade de Tel Aviv que não foram valorizadas por si mesma até serem "redescobertas" como símbolos de suas epopeias. Brasília já nasce como Museu. "[...] Brasília, pelo contrário, nasceu reivindicando-se tanto como obra de arte quanto como obra de urbanismo e, em função disso, como monumento da modernidade [...]" p.160

Contra a tradição do novo e de objetos que só podem existir no presente, a Vanguarda em Brasília constrói uma tradição, cuja "[...] finalidade do objeto artístico teria sido, nesse caso, produzir simultaneamente um futuro e uma tradição." p.160

Anitvanguardista

A arquitetura brasileira moderna pode ser vista como antivanguardista no sentido de que não se havia nada a destruir já que não havia história nacional. Estabelecendo uma relação com o passado de preservação e inspiração do patrimônio, querendo o novo mas sem destruir o existente.

"[...] produção de uma ordem capaz de encarar e simbolizar o poder modernizador do Estado nacional." p. 161

Estado e modernismo no Brasil

A arquitetura moderna brasileira, desde a primeira metade da década de 1930, produz diferentes experimentações. E com o Palácio Capanema em1936, o ministério da educação, se estabelece como símbolo da produção Estatal e da vanguarda Brasileira homogeneizando o movimento.

"O Estado de aspirações nacionalistas surgido da Revolução de 1930 e ratificado com a proclamação do Estado Novo pelo próprio Getúlio Vargas, em 1937, encontrará na arquitetura a resposta às suas demandas representativas e um veículo extraordinário de unificação simbólica nacional." p.162

Mecenato

Relação do artista-arquiteto com o Estado

Relação entre Niemeyer e Kubitschek inicia em 1940, quando o prefeito de Belo Horizonte, Capanema, o indica para construção do complexo da pampulha

Ordem pela arquitetura

"[...] desde o começo ficou claro que Costa processou toda a renovação por meio de uma profunda ambição de continuidade, a partir de uma busca orientada para produzir um "novo equilíbrio". Por isso, a referência obrigatória no panorama internacional é Le Corbusier: porque entre todos os referentes é ele quem oferece um tipo de ordem." p.163

Produção de uma língua nacional

Costa procura na arquitetura uma conclusão às buscas dos anos 20 do modernismo, regionalismo e neocolonial. Produzindo dos anos 30 aos 50 os símbolo desse "voluntarismo construtivista estatal.

"A arquitetura moderna, como em quase nenhum outro lugar do mundo, constituiu-se no Brasil em uma usina de figuras às quais o Estado pôde recorrer para produzir o imaginário da modernização territorial e urbana que estava afrontando como desafio contemporâneo: a conformação de sistemas econômicos nacionais integrados, como parte dos novos papéis públicos que emergem com a reestruturação do sistema econômico internacional pós-trinta." p.164

Mito de origem e de futuro por excelência: Brasília

Brasília era um símbolo para toda a América Latina de integração e desenvolvimento

"Para a ideologia planificadora, Brasília era a demonstração de que o subcontinente estava chegando à maioridade, propondo-se metas cada vez mais ambiciosas e cumprindo-as." p.164

O plano piloto

O Brasil estava "condenado ao moderno" 20 anos antes do plano de Brasília ser criado, por conta principalmente da inserção do programa modernista na escola carioca da "arquitetura moderna brasileira" por Costa.

"Assim, Brasília realiza á perfeição a 'divisão de funções' em que nasce a escola carioca: Lucio Costa torna-se explícito com a confecção do plano seu papel de organizador, e nesse sentido aparece como ideólogo da entente arquitetura-estado: Oscar Niemeyer é o desenhador de ícones arquitetônicos." p.165 e 166

Modernização e culturalismo nacionalista em Brasília foi o que "cimentou" a arquitetura moderna e o Estado" e foi o apogeu da arquitetura moderna Brasileira. Nunca mais houve um símbolo tão forte dessa expressão cultural assumida pela sociedade.

A Hipótese do fracasso

É um dos primeiros movimentos que escolhe a figuração modernista como estilo histórico.

Brasília é a mistura de diversos urbanismos: É a cidade renascentista - fechada em si mesma; A cidade barroca - com seus grandes eixos; A cidade do iluminismo - funcionalista e ordenada; E a cidade do século XX - dominada pelo carro (PAULO ORMINDO)

A visão do modernismo tardio em Brasília produz críticas que ignoram seu contexto. "[...] caberia falar de 'fracasso', a partir da própria lógica do que o modernismo propôs; mas, exatamente, apenas a partir de sua própria lógica." p.170

Holston

Desmistificação

Estranhamento

Holston vai se dedicar a provar que as premissas da ideologia que move a construção de Brasília eram impossíveis na sociedade real.

A crítica postula que a utopia de cidade modernista visa "desfamiliarizar" os habitante, porém o que Brasília busca no novo é o shock, que Georg Simmel teoriza:"[...] a vanguarda busca o 'estranhamento' com o objetivo de despertar o habitante da atitude blasé a que fica reduzido por sua incapacidade de assumir a produtividade desse shock" p.169

"Brasília (e aqui, enquanto cidade modernista) não busca o estranhamento; ela supões estar criando as bases da 'verdadeira naturalidade' que se perdeu na metrópole caótica." p.169 A arte no urbanismo para criar o desejo da nova cidade em um nacionalismo exacerbado.

A crítica de Holston não considera que não se pode comparar o plano de Brasília com a "cidade livre", ela não foi projetada para ser orgânica. A exemplo, a problemática do espaço público no modernismo já era suficientemente complexa, e Costa, advertindo sobre, planeja as super quadras como uma tentativa de recuperar a vida urbana. "A função simbólica de Brasília dificilmente poderia ser levada em conta a partir das colocações 'organicistas'[...]" p.172

Devemos ser revisar nas condenações de Holston as críticas aos: Problemas já complexos de espaço público do modernismo; O peculiar problema que o caráter simbólico de uma capital pressupõe; A identificação automática das superquadras com a diferenciação anônima da residência massiva do pós-guerra; a segregação socioespacial.

As super-quadra "se converteram em lugar de altíssima qualidade de vida", diferente do que mostra as formulações contra os conjuntos habitacionais norte-americanos criados também embases modernistas. e são motivo de orgulho dos brasilienses, seu sucesso se vinculando porém além da eficácia das representações, à homogeneidade social dos habitantes, levantando o último ponto crítico: a segregação socioespacial.

O crescimento da cidade pela população de trabalhadores que migra pra região, apesar de esperável "pela dinâmica econômica que sua construção supunha" não é previsto no plano Piloto, sendo motivo de críticas e também da radicalização dos trabalhadores e de suas famílias.

"Brasília converteu-se em um verdadeiro laboratório (pela velocidade do fenômeno) das lutas urbanas e da conformação metropolitana." p.174

Costa e Niemeyer, conscientes de que trabalhavam sob "um conjunto de variáveis de composição, função e símbolos" se diziam construtores do moderno como representação do poder do Estado e ao mesmo tempo refutavam às críticas dizendo que o resultado (falha) de Brasília era a própria representação da sociedade brasileira.

Costa e Niemeyer "Assim, queixavam-se de que, ao mesmo tempo, lhes era assinalado que havia falhado uma utopia porque Brasília havia reproduzido o dualismo da sociedade brasileira e lhes criticavam a escassa relação da nova capital com a realidade brasileira. E respondiam, entre ingênuos e cínicos, se acaso esse mesmo dualismo não remetia exatamente a essa realidade." p.174 e175

Hipótese da traição

Crítica ao cânone moderno corbusiano de Brasília e da escola carioca

Movimentos contra-canônicos

Modernismo tardio?

Nos anos 50 há a consolidação do modernismo "International Style", assim a revisão pós modernista traz par as produções a partir dos anos 70 as análises de um modernismo tardio.

Gostar de Brasília

"[...] desde seus próprios começos na década de trinta, a 'arquitetura moderna brasileira' não significou aplicação deslocada no tempo e no espaço de um cânone estabelecido fora dela, mas uma das linhas de buscas contemporâneas à crise do modernismo." p.183

A ordem de integração coletiva em Brasília simboliza a vontade estatal

Nesse subcapítulo de conclusão, Gorelik sustenta que o "fracasso" de Brasília se deve a "má sorte crítica", comparando as criticas feitas ao "caso Brasília" com outras construções modernas.

"A de Brasília é uma ordem que articula sentido histórico e valores mitológicos, representação potenciada da modernidade como valor de integração coletiva e monumentalidade como autoconsciência da epopeia arquitetônica, política e cultural, para simbolizar a vontade estatal de desenvolvimento e integração nacional." p.184

Autoritarismo

Verdadeiro propulsor do modernismo brasileiro foram as necessidade monumentalistas de um Estado nacional desenvolvimentista, que pelo contexto caracteriza-se como um Estado autoritário. E passado os primeiros momentos de "euforia crítica" , se mostra inadmissível a construção de uma cidade que não por motivos econômicos e sociais.

Imagem das ditaduras Latino Americanas

"Definitivamente, no momento mesmo em que o Brasil demonstrava que havia sido capaz, finalmente, de construir sua capital, essa própria construção não fazia senão confirmas a imagem já consolidada dos países latino-americanos como lugares de ditaduras excêntricas capazes, entre outras coisas, da loucura de levantar uma cidade no deserto." p.186

"[...] o golpe militar de 1964 pode ser lido simplesmente como uma confirmação: a profecia autocumprida de uma cidade burocrática, autoritária e kafkiana, distanciada tanto da realidade de seu povo como da dinâmica verdadeira da economia." p.186

Nesse capítulo ele vai citar alguns críticos que não viam a realização de Brasília sob seu contexto, e questiona a propaganda internacional que é feita em cima de Brasília

"[...] pode-se dizer que a arquitetura brasileira é 'antivanguardista': porque o problema que tinha para resolver era a ausência de história, não seu excesso" p.160

"Souberam dar forma arquitetônica a uma ilusão de largo alcance no modernismo brasileira (tanto de esquerda como de direita), a de capitalizar ' as vantagens do atraso e as vantagens do moderno." p.175

Boa parcela do sucesso da arquitetura moderna brasileira se deu por uma unanimidade homogeneidade dentro da arte, inclusive no julgamento do concurso do plano piloto. Quando começam as críticas começa a decadência, esses cânones começam a ser questionados

Max Bill

Segundo Max Bill, arquitetura moderna reverteu em um "novo academicismo" e no Brasil esse fenômeno se agrava pelas necessidades sociais que ela não resolve. Chama a arquitetura de Niemeyer de "formalismo decadente" e o modernismo brasileiro como um "canteiro de formas", dizendo que se perde o sentido social da arquitetura moderna brasileira, se ausentando se suas responsabilidades e contra o "dever da arquitetura" .

Muito do modernismo residia na necessidade dos países se reconstruírem no pós guerra, e na américa Latina os Países precisavam se reconstruir economicamente

Há aqui uma "crise das classificações canônicas", e Gorelik mostra que o "Moderno" é um movimento amplo, sendo muito simplista dizer que Brasília é um "modernismo tardio", já que a origem do modernismo na América Latina não tem proximidade com o modernismo Europeu/Norte Americano. A Arquitetura moderna brasileira nunca foi "internacional style", e por isso ela não pode ser classificada como Modernismo Tardio.

A crítica aqui é que essas análises colocam o modernismo todo em uma mesma esfera, não são contextualizadas.

Lina Bo Bardi

" [...] o consenso dominante durante os anos dourados havia se rompido, e que o dispositivo da 'arquitetura moderna brasileira' havia deixado de funcionar." p.179

Lina Bo Bardi vai criticar a "desesperada propaganda internacional" que a "arquitetura moderna brasileira" vinha recebendo. Publicando biografias do que chama de "pioneiros da renovação da arquitetura no Brasil", excluindo o nome de Niemeyer e citando brevemente Costa como um catalizador inconsciente.

Movimento que se inicia em São Paulo, pré Brasília, revive o debate do nascimento da arquitetura moderna brasileira. Em São Paulo vai começar um movimento que busca no concretismo alternativas ao "modo canônico da arquitetura brasileira" em uma junção do Moderno com o Popular.