Aluno: Assistindo uma palestra sobre filosofias orientais experimentei um estado alfa muito intenso durante alguns momentos, depois que o palestrante nos convidou a entoar o Aum. Foi uma reação provocada por uma estimulação de uma área do cérebro pela freqüência do som ou o quê?
Olavo: Bom, o que é esse Aum? Quem dá uma explicação muito bonita sobre isso é o René Guenon, não lembro se está em O Homem e seu devir segundo o Vedanta, ou em Os Estados Múltiplos do Ser. Essas três letras – A, U, M – significam, em primeiro lugar, os três estados do homem: o estado de vigília, o estado de sono e o estado de sono profundo. Esses três estados, por sua vez, simbolizam três dimensões do ser: o mundo dos seres sensíveis que estão presentes aqui; o mundo intermediário, das possibilidades mescladas, que estão, por assim dizer, informes na natureza; e, por fim, o mundo dos seus arquétipos eternos. Quando o místico hindu entoa isso, ele está pensando nessas três coisas, mas na medida em que ele entoa, ele não está apenas pensando, ele está vendo no seu próprio corpo a manifestação sonora desses três planos de realidade; por isso mesmo, existem várias maneira de você meditar este som.
Se você está focado, por exemplo, em assumir uma consciência mais nítida da sua presença corporal no mundo físico você enfatiza a primeira sílaba, A; quando se trata de penetrar no mundo mais psíquico, que está mais ligado à respiração, ao ar, você enfatiza o U; e quando é para apagar o mundo físico e o intermediário – ir para os arquétipos eternos – você enfatiza o M. Então, existe uma grande diferença entre você recitar:
AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAUM AUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUM AUMMMMMMMMMMMMMMMMMM
Agora, você ficar falando AUM não vai dar em nada, pode dar um estado alfa. Está entendendo? Todas essas práticas nada significam sem a perfeita compreensão da doutrina metafísica envolvida. Felizmente, a estrutura de muitos desses exercícios, recitações, preces, jaculatórias etc. condensa simbolicamente tudo isso, então, de certo modo, você pode dizer que esses três sons são esses três mundos, no mesmo sentido em que eu estava explicando a água. Mas, essas coisas nós vamos deixar para depois. Não é muito a hora da gente pensar nisso.
Em qualquer prática mística autêntica, antes da prática existe uma pregação, uma explicação que o padre ou mestre vai te dar e que o exercício, por assim dizer, vai condensar. Você vai receber o ensinamento sob duas formas: sob forma de intelecção e sob forma de existência. Até que chega uma hora em que você não separa mais essas duas coisas e começa a percebê-las juntas. Veja que quando a consciência do componente simbólico da própria estrutura da realidade desaparece culturalmente, mas muitas pessoas continuam praticando os ritos de outras épocas – o que acontece? –, elas estão fazendo os gestos certos, mas às vezes com a explicação errada. E se começam a fazer isso, significa que daqui a pouco elas não sabem o que são os rituais genuínos e o que é uma imitação. Você não percebe mais. Quando, por exemplo, aparecem as pessoas falando do carisma do Padre Maciel elas não sabem mais o que é carisma. Carisma é expulsar os demônios, conectar você com o Espírito Santo, fazer alguma coisa que é espiritualmente eficiente; e essa eficiência espiritual se traduz numa eficiência material. Agora, se o clero perdeu os carismas, então o pessoal não sabe o que é carisma. Carisma começa a ser usado no sentido do Lula. O Lula é um indivíduo carismático, ou seja, um sujeito que atrai pessoas e dinheiro. O Padre Maciel atraía um bocado de dinheiro. Isso é ser carismático pra caramba! Vai ver a conta bancária dele para ver o carisma. Então as pessoas não sabem mais do que estão falando e começam a preencher os antigos elementos da tradição religiosa com explicações e pretextos médicos, psicológicos, sociológicos etc. C