Com relação ao programa True Outspeak, do dia 06, tenho algumas perguntas sobre a afirmação feita pelo senhor. Eu acho que a doutrina da predestinação é absurda em si mesma, ela não tem cabimento. São elas: 1) Se Deus é eterno e onisciente, ou seja, se ele está fora do tempo e sabe todas as coisas, como ele pode não saber desde a eternidade quem são os salvos? Se Deus é onipotente, como pode alguém ser salvo sem que seja pela vontade imutável da eternidade de Deus? (...)
Olavo: Bom, é o seguinte: como é que a vontade de Deus aparece em você? Aparece como uma sentença de fora que foi baixada sobre você? Como é que você pode realizar a vontade de Deus senão pelo seu próprio esforço de vontade? Basta isso para você ver que a salvação, ainda que esteja predeterminada na eternidade, se desenrola no tempo como um drama que é aceito de livre vontade. A nossa livre vontade consiste em nos aproximar conscientemente da vontade de Deus. Agora, se você pega o plano da eternidade – onde todos os momentos são dados ao mesmo tempo – e o plano do tempo, não tem como você espremer um dentro do outro: a predestinação é uma confusão entre eternidade e tempo. É achar que aquilo que está predeterminado na eternidade já está predeterminado no tempo, quando evidentemente não é assim. Como Deus é eterno e absoluto, não há diferença entre necessidade e liberdade em Deus e, portanto, não há diferença entre a salvação pré-determinada e a salvação alcançada como opção de livre-escolha. Essa diferença não existe, é apenas um equívoco verbal na passagem da eternidade para o tempo. Quando o sujeito escreve uma peça de teatro, ele já sabe como ela vai terminar. Quando você assiste ao primeiro ato da peça, já está tudo resolvido, então por que você não vai embora para casa? É a mesma pergunta.
Aluno: (...) 2) Devemos considerar que São Paulo Apóstolo e Santo Agostinho nos ensinaram absurdos, ou o senhor acredita que eles não ensinaram a doutrina da predestinação? (...)
Olavo: Não ensinaram de maneira alguma. Quando você fala “predestinação”, veja: “destinação” é algo a se cumprir no tempo. Não tem medida comum com a eternidade. Na eternidade, a salvação predestinada coincide com a total liberdade. Não há como aplicar esses conceitos à eternidade.
Aluno: (...) O senhor acredita que a afirmação acima contribui para a superação das rixas entre os cristãos, que o senhor tão admiravelmente incentiva?
Olavo: Na verdade, não sei, espero que sim. Não tenho certeza se estou ajudando ou atrapalhando. Espero estar ajudando.
Veja, o fato de que Deus conhece você de trás para diante. É claro que Ele já conhece, Ele já sabe tudo a seu respeito. Mas você sabe o que Ele sabe a seu respeito? O único jeito de você resolver esse problema é buscar ativamente conhecer a vontade Dele a seu respeito. Mas se você partir do princípio de que você já está salvo ou de que já está danado, não há mais nada o que fazer. Isso aí é o mesmo problema da apatia, de que fala o Viktor Frankl: você está desativando o drama. Aquela parte dos protestantes que consideram: “Nós já estamos salvos, então só o que resta fazer é agir como se o estivéssemos”. Isso pode ser um truque psicológico para que o sujeito, baseado na predestinação, aja como se tivesse livre-arbítrio. Mas é um truque psicológico. Na verdade, a idéia da predestinação só existe em nível metafísico, quer dizer, considerado na eternidade. A idéia de predestinação no tempo não faz sentido algum, porque o tempo é uma imagem móvel da eternidade:
aquilo que na eternidade já está inteiramente resolvido, no tempo se desenrola como se não estivesse. A própria existência da criação já supõe que aquilo que está dado na eternidade será revivido como drama, no tempo. A sua salvação ou danação é um enigma para o qual só Deus tem a solução, e é por isso mesmo que você tem de buscá-la.