Outro aspecto deste curso é o seguinte: a realização da pessoa humana não é um elemento que exista como um valor na sociedade brasileira. Ninguém liga para isso. Isso não é importante para as pessoas. Importante para as pessoas é arrumar um bom emprego, só. Não interessa o quanto o emprego seja inadequado para ela; o que interessa é quanto ela vai ganhar no fim do mês, mesmo que ela faça algo totalmente fora da sua vocação. O aspecto meramente “dinheirístico” da coisa predomina demais sobre os outros, e é claro que isso é uma ilusão: dinheirista, no Brasil, todo mundo é, mas quantos são ricos? Se o amor ao dinheiro metesse dinheiro no seu bolso, estava todo mundo rico. Se desejo por dinheiro, obsessão por dinheiro, metesse dinheiro no bolso, estava todo mundo milionário. O Brasil é uma prova de que estas coisas não funcionam.
Por outro lado, existe um outro elemento cultural que prejudica a clareza com relação a este exercício: um elemento chamado prazer. Existe uma idolatria do prazer no Brasil: “Ah, você tem de fazer o que você gosta!” Quer dizer, ou você tem de exercer uma profissão que não serve para você de maneira nenhuma mas que te dá dinheiro, ou então você tem de fazer aquilo que você gosta. Agora, pegue as vocações mais altamente realizadas do mundo, e se pergunte assim: “Será que Viktor Frankl gostava de estar num campo de concentração? Será que ele gostava de ouvir desgraça o dia inteiro?” É claro que não gostava. Então por que a vocação dele era esta?
A vocação não tem nada a ver nem com a necessidade de dinheiro nem com o prazer. É uma outra coisa. E o fato mesmo de eu ter que explicar isto deriva da minha experiência de ver três gerações que ignoram estas coisas, que não têm a menor idéia do que é uma vocação, que só tem idéia da suposta necessidade financeira e do suposto prazer. Qualquer que seja a atividade que você exerça, por mais maravilhosa que ela seja, é impossível que ela só te de prazer. Há quem ache, por exemplo, que vai ficar rico, se aposentar, e que então vai estudar e escrever livros maravilhosos. Pessoas assim acham que aí isso será um prazer, que elas vão “largar as coisas sérias” e fazer aquilo que
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gostam. Mas escrever um livro pode ser um sofrimento muito grande, e se você espera que seja um divertimento o seu livro será uma bela merda. As categorias da necessidade de dinheiro e do prazer atrapalham as cabeças das pessoas. Estão pensando por categorias erradas, que não se aplicam.
Eu estou tentando trazer vocês de volta desde dois esquemas, dois estereótipos, para a realidade da sua experiência. Este é o primeiro exercício que eu estou fazendo aqui, justamente por isso. Só por este detalhe você pode ver o quanto você pode estar distante da sua realidade, da sua experiência, e pensando só em símbolos e estereótipos que não têm nada a ver com nada. Curar isso é o passo número um para a filosofia. Claro que para chegar a ver estas coisas com clareza você vai precisar de alguns anos, talvez. Mas por isso mesmo eu estou sugerindo que comecem, e é por isso também que eu disse que este exercício não tem prazo. [2:20]