O que faz Santo Agostinho? Santo Agostinho está tentando responder a certos problemas filosóficos, mas ele percebe que entre ele e as elevadas questões filosóficas que ele está colocando existe um intermediário. Ou seja, ele não está enfocando esses conceitos filosóficos tal como um anjo olharia as idéias platônicas: ele é um ser humano real, e ele sabe que entre esse ser humano real e as idéias universais da filosofia existe um hiato. Nós não temos um conhecimento direto dessas idéias universais como tem Deus ou como têm os anjos. Nós só temos, na verdade, o conhecimento das coisas concretas e imediatas, que fazem parte da nossa vida e que são o tecido da nossa experiência diária, e nós procuramos por trás delas conceitos universais que as articulem e as expliquem. Esses conceitos universais, por sua vez, só chegam até nós de uma maneira obscura e confusa, “como num espelho obscuro”, como dizia São Paulo Apóstolo. Agostinho nota, portanto, que a inteligência dele não parece ser um órgão totalmente apropriado para aquelas grandes questões que ele está colocando, e ele se pergunta o que o separa da inteligência universal capaz de apreender essas grandes realidades de uma maneira mais nítida e mais clara. Ele então percebe que o que o atrapalha — aquilo que está no meio, como um espelho opaco — é constituído pela sua própria personalidade. Essa personalidade é cheia de temores, de preconceitos, de auto-engano, e ele percebe que ele precisa limpar esse espelho antes de poder enxergar alguma coisa claramente. Então ele empreende essa obra magna que são as Confissões.