O PRIMO BASILIO
Nessa obra, como em outras, percebe-se a crítica social como principal característica. O alvo principal da crítica, nessa obra, é a família lisboeta como “produto do namoro, reunião desagradável de egoísmos que se contradizem”. Ela foi inspirada em Madame Bovary, de Gustave Flaubert. Há várias semelhanças no enredo, contudo, as obras se diferenciam principalmente pelo tom irônico de Eça, pela maneira caricatural e debochada que constrói as personagens. Além do que, O primo Basílio apresenta também características naturalistas.
Eça de Queirós compõe um pequeno quadro doméstico e familiar, típico da pequena burguesia de Lisboa da época: Luísa, uma jovem senhora sentimental, de educação romântica, de temperamento exaltado, fruto da ociosidade e da falta de disciplina moral; seu primo Basílio, um amante baixo e imoral, sedento de aventuras e amores frívolos; Juliana, uma criada revoltada com a sua situação, sedenta de vingança. Jorge, o marido medíocre, pouco romântico.
Para os realistas, o casamento é uma mera conveniência. Jorge casa-se “no ar” como diz seu amigo Sebastião. Não há paixão, há apenas comodidade.
Observe o tom irônico de Eça de Queirós. Sabemos que Luísa trairá seu marido, assim, quando o autor a chama de “serzinho louro e meigo” chega a ser cômico. Para Jorge, o casamento e o jaquetão de flanela equiparam-se e lhe dão o mesmo conforto, ou seja, o casamento não passa de uma conveniência.
Como tese, o autor quer nos demonstrar que Luísa trai seu marido devido à sua formação romântica, às suas leituras açucaradas, à sua formação sem moral, sem disciplina.
Luísa lia Dama das camélias, romance romântico de Alexandre Dumas Filho. Nesta obra são mostrados somente os aspectos prazerosos da traição, a luxúria e paixão, e não suas consequências ou condenações morais e religiosas. Como se fosse “chique” ter uma amante.
O romance e a peça Dama das Camélias, de Alexandre Dumas Filho passa ser leitura frequente entre a burguesia. Margarida Gautier tornou-se um símbolo do amor romântico. Cortesã, mulher de muitos amantes, ao se apaixonar se purifca e acaba por morrer diante da impossibilidade de seu amor.
Observe como Luísa é sonhadora. Dizemos que se Luísa tivesse lido Madame Bovary ao invés de Dama das camélias, provavelmente não teria traído seu marido. Na construção de Luísa, podemos observar a teoria de Taine sendo colocada em prática: o Determinismo. Luísa, assim como Juliana, é um produto do meio em que vive, ela não tem escapatória.
Vejamos o trecho que comprova as características deterministas da obra. No capítulo III, encontramos uma composição gloriosa do caráter de Juliana.
Muitos críticos consideram Juliana como a personagem mais complexa e bem construída por Eça de Queirós. Sentindo-se humilhada por toda uma vida, ao ter as cartas de Luísa e Basílio em mãos (provas do adultério), aproveita a oportunidade para se vingar de todas suas patroas.
Cuidado, não podemos dizer que há luta de classes ou que o socialismo é defendido por Eça. Juliana não lutava pelo direito das empregadas domésticas ou pela igualdade, o que ela queria mesmo era tornar-se uma pequena burguesa, uma patroa como Luísa.
O Positivismo de Comte também pode ser verifcado. Eça nos mostra um país atrasado, cheio de crendices, longe do progresso, assim, resvalando na lama. Tudo isso representado por suas personagens.
Podemos observar a sociedade portuguesa da época. Havia problemas sérios, pessoas vivendo na miséria. Mas, hipocritamente, o Conselheiro Acácio, que se diz tão bom e patriota, recusa-se a falar sobre o assunto. Esse é um bom exemplo da crítica social feita por Eça de Queirós.
Além da crítica, podemos observar como característica de Eça de Queirós a ironia. As personagens são caricaturas, por vezes grotescas e engraçadas. Duas personagens exemplares são D. Felicidade, amiga da família e apaixonadíssima pelo Conselheiro Acácio, e Ernestinho, o primo de Jorge.
Observe a descrição caricatural. As idealizações românticas são deixadas de lado, vemos uma mulher gorda, com bigodes, sofrendo de azia e gases. D. Felicidade se diz religiosa e devota, mas vive de falsidades. Quando Juliana fca doente, D. Felicidade aconselha Luísa a mandá-la embora, para que não morra na casa. Como diria Eça, “como era generosa D. Felicidade!”
Ernestinho é descrito com um ser ridículo. Alegoricamente, Eça concretiza nessa personagem o próprio Romantismo. Assim, como bom realista que era, Eça de Queirós é antirromântico, chegando ao extremo de considerar que todo o atraso em Portugal devia-se às idealizações românticas. Eça de Queirós soube compor como ninguém um quadro bastante completo da sociedade portuguesa do século XIX. Com uma crítica voraz, repleta de ironia e deboche, o autor aponta as mazelas de uma sociedade em crise, ludibriada pelos encantos do fm de século e vislumbrando um novo século, o século XX.